Será possível fazer fraturamento hidráulico (fracking) na Colômbia? Esta é a pergunta que indústria de petróleo e o governo nacional estão tentando responder. Enquanto o debate avança nos cenários de decisão política, nos territórios onde estes projetos poderiam ser realizados, a violência está aumentando contra aqueles que se opõem a esta técnica.
A ameaça de morte recebida por telefone celular por um dos líderes comunitários mais representativos da comunidade de El Llanito, em Barrancabermeja, despertou memórias e temores, nos mais de três mil habitantes, de uma violência que eles pensavam ter superado. Isso aconteceu em meados de abril de 2018, semanas após uma reunião entre a comunidade e funcionários da empresa de petróleo Ecopetrol S.A.
A reunião aconteceu no salão comunitário “Lucho Arango”, um dos locais mais emblemáticos desta comunidade.
Como documentado pelo Centro Nacional de Memória Histórica em um relatório publicado em 2014, Lucho foi um homem que defendeu os interesses dos pescadores de El Llanito, assim como de toda a região de Magdalena Medio, no noroeste da Colômbia, diante dos efeitos que estavam sendo produzidos pelas obras como a construção da hidrelétrica Hidrosogamoso. O relatório afirma que em 12 de fevereiro de 2009, jagunços pertencentes ao grupo criminoso conhecido como “Los Rastrojos” o assassinaram na comunidade La Victoria do maior porto de petróleo do país. Desde então, seu rosto e seu nome, desenhado em cores vivas, enfeitam a casa.
“E o que isso nos deixou? Nada. Vivemos em frente a um pântano do qual a Ecopetrol tira proveito, mas a comunidade não tem encanamento de água potável. Não temos estradas, não temos postos de saúde”
No início de abril, funcionários compartilharam informações com a comunidade sobre o projeto chamado “Área de perfuração exploratória Guane A”, resultado de um acordo assinado entre a Agência Nacional de Hidrocarbonetos (ANH), do governo, e a maior empresa estatal de petróleo do país para a exploração e produção dos reservatórios convencionais e não convencionais em uma área de 5.700 hectares, dividida entre El Llanito e o município vizinho de Puerto Wilches. Além deste polígono, houve também um pedido de uma área de 7,5 hectares para cinco pontos de captação de água, necessárias para a exploração de petróleo.
Naquele dia, a rejeição do projeto extrativista por parte da comunidade foi unânime. Os líderes comunitários disseram que a extração de petróleo tinha começado há mais de 30 anos nesse município, formado por 17 aldeias, localizado nas margens do Pântano de San Silvestre, um pântano que a Colômbia está considerando proteger sob a Convenção sobre as Zonas Húmidas de Importância Internacional, conhecida como Convenção de Ramsar.
“Com esta proposta de fazer fracking, que eu entendo requerer enormes quantidades de água, eles vão nos deixar sem o pântano”.
“E o que isso nos deixou? Nada. Vivemos em frente a um pântano do qual a Ecopetrol tira proveito, mas a comunidade não tem encanamento de água potável. Não temos estradas, não temos postos de saúde”, diz o líder que, depois de receber ameaças, pediu para não ser nomeado.
“Aqui era uma comunidade pesqueira, havia muito peixe, vá e tente pegar um peixe agora e veja se você consegue! Desde que começaram a explorar o petróleo, o pântano desapareceu“, lembra o mesmo líder que, apesar de sua situação delicada, continua liderando a oposição da comunidade ao projeto de petróleo. “Com esta proposta de fazer fracking, que eu entendo requerer enormes quantidades de água, eles vão nos deixar sem o pântano. Nessa reunião, nós rejeitamos a proposta, ameaçamos realizar marchas, greves e até mesmo recorrer à justiça para não permitir o fracking. E quinze dias depois me chamaram para ameaçar-me de morte!”
História repetida
El Llanito não é a única comunidade onde a oposição ao fracking está gerando ameaças e acusações.
Cerca de 150 quilômetros ao norte de Barrancabermeja está San Martín, uma cidade de cerca de 17.000 habitantes no vizinho departamento de Cesar. Em abril de 2016, cinquenta cidadãos de origens muito diferentes se reuniram para criar a Corporação em Defesa da Água, Território e Ecossistemas (Cordatec), cujo objetivo principal é rejeitar a realização de testes piloto de fracking em terras de San Martín.
Embora a atividade de petróleo em San Martin remonte à década de 1970, quando a empresa Petróleos del Norte iniciou suas operações nos poços Mono Araña e Tisquirama, a cidade viu apenas volumes modestos de petróleo. Nas últimas duas décadas, a produção diária foi de entre 300 a 1.400 barris de petróleo, segundo dados da Agência Nacional de Hidrocarbonetos (ANH).
a cidade viu apenas volumes modestos de petróleo
Entretanto, estudos realizados pela Ecopetrol de 2011 mostram que no chamado Vale de Magdalena Medio – onde fica San Martin – análises geológicas, geofísicas e de engenharia de reservatório estimam que existe um potencial entre 2,4 bilhões e 7,4 bilhões de barris de petróleo e gás tecnicamente recuperáveis.
O problema é que estes hidrocarbonetos são encontrados no que é conhecido como rocha geradora, uma formação geológica de baixa permeabilidade que armazena petróleo e gás a profundidades superiores a três e quatro mil metros. Por esta razão, este tipo de reservatório é chamado de “não convencional” e sua exploração só é possível através de uma tecnologia chamada de fracking.
embora a fraturamento hidráulico fosse utilizado desde a década de 1950, o fracking só se tornou possível quando apareceram máquinas altamente especializadas
Esta tecnologia, que começou a ser utilizada nos Estados Unidos em 1999, baseia-se no fraturamento hidráulico, que consiste na injeção, a muito alta pressão, de enormes quantidades de água misturada com areia e produtos químicos, que geram microfissuras nas rochas geradoras para permitir que o petróleo ou gás suba à superfície.
Como explicou Óscar Vanegas, professor de geopolítica energética da Universidade Autônoma de Bucaramanga, embora a fraturamento hidráulico fosse utilizado desde a década de 1950, o fracking só se tornou possível quando apareceram máquinas altamente especializadas como as perfuratrizes “Top Drive” e os motores de fundo, que permitiram perfurar a rocha horizontalmente e não verticalmente, como a indústria de petróleo vinha trabalhando há um século.
“Sabemos que o fracking poderia gerar graves problemas ambientais em nosso município, como a contaminação de corpos de água subterrâneos, rios, riachos e pântanos, bem como um aumento dos eventos sísmicos“, diz Dora Stella Gutiérrez, atual presidente da Cordatec. Por esta razão, acrescenta a Dora Stella, desde o momento de sua fundação, a organização ambientalista tem realizado oficinas, fóruns, seminários, marchas e dias de conscientização contra esta técnica. Por isto sofreram acusações, estigmatização, ameaças de morte e atentados à vida.
“Sabemos que o fracking poderia gerar graves problemas ambientais em nosso município, como a contaminação de corpos de água subterrâneos”
Dora Stella Gutiérrez
O ataque mais recente contra um membro da Cordatec ocorreu em 23 de janeiro de 2019. Naquele dia, à 1:00 da tarde, um homem disparou vários tiros contra José Orlando Reina, um conhecido ativista do município, enquanto caminhava pelas ruas de um setor central de sua comunidade, perto da delegacia de polícia. Os tiros provocaram a reação de vários oficiais uniformizados, que mataram o jagunço em uma troca de disparos. O líder foi ajudado e levado ao hospital na cidade vizinha de Aguachica, onde várias operações salvaram sua vida.
O ataque contra Reina se junta uma longa cadeia de agressões que, até agora, não deixaram nenhuma fatalidade.
“A verdade é que a situação é complexa”
Dora Stella Gutiérrez
Em setembro de 2017, outra de suas líderes, Jassiel Leal, uma estudante de engenharia ambiental, recebeu alguns telefonemas nos quais, num tom ameaçador, ela foi ordenada a “parar de defender o que não lhe interessa”.
Dois meses antes, em 20 de julho, homens armados tinham invadido a casa de Crisóstomo Mancilla, também membro da Cordatec e presidente do conselho de ação comunitária na comunidade de El Loro, e atiraram nele várias vezes. Ferido, Mancilla foi levado a um posto de saúde onde sua vida foi salva.
Em 29 de maio de 2017, dois outros membros da Cordatec, Marina Medina e Jorge Eliécer Torres, que também são presidentes de conselhos de ação comunitária em duas importantes comunidades de San Martín, receberam ameaças por causa de suas posições negativas sobre o fracking.
“Tínhamos realizado oficinas com a comunidade, explicando-lhes o que é o fracking e porque é tão prejudicial ao nosso território, mas não pudemos começar este ano, por causa da situação tensa”.
Dora Stella Gutiérrez
Além do acima mencionado, em fevereiro de 2017, apareceu um panfleto que ameaçava matar “esquerdistas, ativistas de direitos humanos, líderes ambientalistas e líderes indígenas”. O panfleto estava assinado pelas chamadas Autodefesas Gaitanistas da Colômbia, um grupo armada que surgiu em 2008 após a desmobilização das Autodefesas Unidas da Colômbia (AUC).
“A verdade é que a situação é complexa”, reconhece o presidente da Cordatec. “Desde meados do ano passado, a UNP (Unidade Nacional de Proteção) nos deu uma medida [de proteção] coletiva, que consiste em um carro blindado e dois guarda-costas, para que os membros da corporação pudéssemos nos locomover. Mas a verdade é que as coisas não estão fáceis. Tínhamos realizado oficinas com a comunidade, explicando-lhes o que é o fracking e porque é tão prejudicial ao nosso território, mas não pudemos começar este ano, por causa da situação tensa”.
Fazer fracking ou não: o dilema
Na Colômbia, a discussão sobre a exploração de reservatórios de petróleo não convencionais mediante o fracking não é nova.
Desde os primeiros anos desta década, a indústria nacional de petróleo vem levantando a necessidade de recorrer a esta tecnologia – que encontra forte resistência entre os setores ambientalistas e políticos – para aumentar significativamente a produção de petróleo e gás e para garantir a autossuficiência energética do país.
Diante da diminuição das reservas atuais de petróleo, o debate se tornou recentemente mais urgente e prioritário..
Diante da diminuição das reservas atuais de petróleo, o debate se tornou recentemente mais urgente e prioritário. De fato, foi parte da última campanha eleitoral para a presidência da República: o atual presidente, Iván Duque Márquez, prometeu em Bucaramanga em 11 de abril de 2018, que se ele vencesse as eleições presidenciais, não permitiria a execução desta técnica.
“Temos ecossistemas diversos e complexos, aquíferos subterrâneos de enorme riqueza e riscos de maior sismicidade devido aos tipos de solos que temos. É por isso que eu disse que não haverá fracking na Colômbia”, disse o Presidente Duque diante de um grupo de acadêmicos e estudantes universitários reunidos no auditório da Universidade Autônoma de Bucaramanga.
Em novembro passado, três meses após assumir a presidência, Duque convocou uma Comissão Interdisciplinar de Especialistas para estudar as possíveis consequências da aplicação do fracking no país.
“Temos ecossistemas diversos e complexos, aquíferos subterrâneos de enorme riqueza e riscos de maior sismicidade devido aos tipos de solos que temos. É por isso que eu disse que não haverá fracking na Colômbia”
Iván Duque
Esta comissão é formada por treze acadêmicos de diversas disciplinas como a engenharia civil, mecânica e de petróleo, além de biologia, direito, filosofia, economia e resolução de conflitos interculturais. Sua missão era discutir a viabilidade do fracking no país, após conversar com as comunidades nos territórios onde os planos pilotos estão planejados, avaliar os impactos desta tecnologia em outros países e rever as regulamentações ambientais existentes.
Seu relatório final, que os especialistas entregaram ao governo nacional em 15 de março, não deu luz verde para o fracking na Colômbia, mas determinou que é possível realizar projetos-piloto abrangentes para aprofundar o conhecimento sobre a técnica, bem como seus verdadeiros efeitos.
O documento, talvez devido à heterogeneidade de seus membros, chegou a conclusões aparentemente contraditórias, tais como destacar o enorme potencial econômico dos reservatórios de petróleo não convencionais do país, enquanto alerta sobre o baixo acesso que as comunidades têm às informações sobre os projetos e a falta de estudos suficientes sobre águas subterrâneas, riscos sísmicos, possível contaminação dos ecossistemas e a capacidade das instituições encarregadas do controle ambiental.
“O que a Comissão disse é que a Colômbia tem as regulamentações necessárias para desenvolver esta técnica”
Francisco José Lloreda.
A comissão também fez uma série de recomendações ao governo Duque, incluindo a divulgação de todas as informações sobre os projetos às comunidades; a identificação de lacunas de informações sobre ecossistemas, hidrogeologia e sismicidade; o acordo sobre mecanismos de participação e supervisão cidadã; a construção de linhas de base sociais; acordo sobre gestão de riscos à saúde com os moradores próximos aos projetos-piloto; e a identificação deficiências nas instituições responsáveis pelo controle ambiental.
A indústria de petróleo interpretou as conclusões da Comissão como um apelo responsável para que o governo nacional permitisse a técnica na Colômbia e como uma refutação dos argumentos dos que se opõem ao fracking.
“O país tem reservas de petróleo e gás que durariam seis anos e onze anos”.
Francisco José Lloreda.
“O que a Comissão disse é que a Colômbia tem as regulamentações necessárias para desenvolver esta técnica. Na verdade, é a mais rigorosa e exigente a nível internacional. E que os possíveis impactos ambientais que podem resultar desta técnica são totalmente identificáveis e podem ser evitados“, diz Francisco José Lloreda, presidente da Associação Colombiana do Petróleo (ACP), que reúne as empresas petrolíferas.
“O país tem reservas de petróleo e gás que durariam seis anos e onze anos, respectivamente. Estes são tempos extremamente curtos para esta indústria, (portanto) é essencial manter a autossuficiência energética. Também é fundamental que o país tenha excedentes de petróleo para exportar, por causa do que significa para as finanças nacionais“, acrescenta Lloreda, que também serviu como ministro da educação.
Ha ‘ouro negro’ suficiente?
A importância econômica do fracking é clara. Tanto que, segundo Lloreda, 15% do petróleo e 30% do gás do mundo são explorados com esta tecnologia.
O boom, no entanto, causa divisão em muitos países. A França, Alemanha e Irlanda proibiram a tecnologia, enquanto alguns estados na Austrália e nos Estados Unidos colocaram moratórias.
França, Alemanha e Irlanda proibiram a tecnologia, enquanto alguns estados na Austrália e nos Estados Unidos colocaram moratórias.
Na Colômbia, segundo a Ecopetrol, existem reservatórios não convencionais em Catatumbo no Norte de Santander, em Putumayo e em Caquetá, embora o maior potencial esteja precisamente nas formações geológicas conhecidas como La Luna e El Tablazo nos Vales Magdalena Medio e Cesar, onde o medo começa a dominar a população local, já que duas empresas internacionais já foram autorizadas pela Agência Nacional de Hidrocarbonetos (ANH) para iniciar os projetos-pilotos.
Uma delas é a Parex Resources Colombia Ltda, uma multinacional sediada em Barbados, que em 2014 recebeu da ANH uma área de 61.679 hectares no município de Cimitarra, Santander. Outra é a ConocoPhillips Colombia Ventures Ltda, com sede nas Ilhas Cayman, que além do contrato que tinha desde 2009 em San Martin, Cesar, obteve em 2015 um ” contrato adicional para exploração e produção de reservatórios não convencionais de hidrocarbonetos”
“Se generarían importantes beneficios en materia de generación de empleo y demanda de bienes y servicios en las zonas donde se llevaría a cabo la actividad”
“A produção em Magdalena Medio poderia ser aumentada em pelo menos 250 mil barris por dia, gerando benefícios significativos em termos de geração de empregos e demanda de bens e serviços nas áreas onde a atividade seria realizada”, disse um porta-voz da Ecopetrol.
Embora não existam estimativas de quanto o fracking poderia beneficiar as finanças do país, a Ecopetrol salienta que, somente em 2018, transferiu para a Nação 23,1 bilhões de pesos, entre dividendos (8,2 bilhões de pesos), impostos (8,8 bilhões de pesos) e royalties (6,1 bilhões de pesos). Além disso, salienta que, nesse mesmo ano, contratou bens e serviços para mais de 6 mil empresas nos territórios onde desenvolveu sua operação, por 10,4 bilhões de pesos, e gerou 34.805 empregos indiretos.
“A Ecopetrol S.A. propôs durante dois anos a realização de projetos-pilotos de fracking controlado, com supervisão das comunidades, autoridades locais e autoridades reguladoras”
Daí a expectativa das empresas de que o governo nacional dará luz verde para os projetos-pilotos do fracking. “A Ecopetrol S.A. propôs durante dois anos a realização de projetos-pilotos de fracking controlado, com supervisão das comunidades, autoridades locais e autoridades reguladoras, para poder aplicar a tecnologia e conhecer, em teste prático, quais são seus reais efeitos”, explica seu porta-voz.
Riscos ambientais e sociais
Infelizmente, nas áreas onde esses testes piloto do fracking serão realizados, aumentou a violência contra os líderes ambientais que se preocupam com a técnica.
Isto foi documentado pelo Sistema de Alerta Prévio (SAT) da Defensoria do Povo (Ouvidoria), a entidade estatal que monitora os riscos de violações dos direitos humanos em todo o país.
“Os líderes sociais e comunitários que nos últimos meses têm sido alvo de ameaças, assédio e agressão no departamento de Cesar pertencem a organizações sociais, especialmente camponesas, que desenvolvem (entre outras) as seguintes atividades: 1) defesa do território; 2) oposição ao modelo de desenvolvimento extrativista, bem como aos danos ambientais causados aos ecossistemas como resultado da expansão da mineração e do agronegócio“, diz no Relatório de Risco 040-16 A.I de 28 de novembro de 2018.
nas áreas onde esses testes piloto do fracking serão realizados, aumentou a violência contra os líderes ambientais que se preocupam com a técnica
A situação atualmente sofrida pelos membros da Cordatec, a organização ambientalista de San Martin, é uma das mais preocupantes para o SAT da Defensoria do Povo.
“Vários dignitários da Corporação em Defesa da Água, Território e Ecossistemas, Cordatec, devido às atividades de resistência pacífica ao uso da técnica de fraturamento hidráulico (fracking) realizadas por vários dias desde 7 de setembro de 2016, para a extração de petróleo em Cuatro Bocas, San Martin, foram alvo de repetidas ameaças”, diz o mesmo relatório.
Uma advertência semelhante foi feita pela Defensoria do Povo para Barrancabermeja, considerada a capital de petróleo da Colômbia por ser a sede da principal refinaria do país.
No alerta prévio nº 076-18 de novembro de 2018, o Ministério Público afirmou que o desenvolvimento de novos projetos de exploração e produção de petróleo coincidiu com um aumento das ameaças contra líderes ambientais, líderes comunitários e defensores dos direitos humanos nos municípios de Magdalena Medio, em Santander. Um exemplo disso, disse a Defensoria do Povo, foram as ameaças contra os líderes das aldeias de Ciénaga de Opón, La Fortuna e El Llanito de Barrancabermeja.
“Grupos armados ilegais, entre eles os chamados ‘Autodefesas Gaitanistas da Colômbia’, envolveram-se em práticas de assédio, intimidação e cooptação de líderes comunitários que estabelecem diálogo direto com as empresas contratantes da Ecopetrol”.
Todos eles têm em comum o fato de viver em áreas onde estão planejados projetos para a exploração de reservatórios de petróleo convencionais e não convencionais. Este aumento das ameaças poderia estar relacionado, argumenta o SAT da Defensoria do Povo, ao interesse dos grupos criminosos presentes na região em obter recursos através do cooptação de contratos de bens, pessoal e serviços que as companhias de petróleo precisam para o desenvolvimento de sua atividade.
A Defensoria do Povo conclui em seu Alerta Prévio 076-18: “Grupos armados ilegais, entre eles os chamados ‘Autodefesas Gaitanistas da Colômbia’, envolveram-se em práticas de assédio, intimidação e cooptação de líderes comunitários que estabelecem diálogo direto com as empresas contratantes da Ecopetrol. Isto é porque está em jogo o relacionamento para o fornecimento de pessoal e financiamento econômico para a estrutura criminosa, através de contratos de bens e serviços requeridos por estas empresas para a execução de obras”.
Em particular, o órgão público chamou a atenção para a situação de Óscar Sampayo e Óscar Yesid Blanco, de Barrancabermeja, que devido a circunstâncias diferentes acabaram se tornando os mais ferozes oponentes do fracking e defensores da proteção do meio ambiente e da água.
O médico e o cientista político
Os problemas para os dois Óscares – um de cientista político e outro de pediatra – começaram em 2015.
No final daquele ano, tanto Sampayo quanto Blanco denunciaram que a água consumida pela população de Barrancabermeja era imprópria para o consumo humano porque o Pântano de San Silvestre, a zona úmida que abastece o encanamento daquela cidade de 190.000 habitantes, estava registrando aumentos alarmantes de metais pesados, incluindo o mercúrio.
a água consumida pela população de Barrancabermeja era imprópria para o consumo humano porque o Pântano de San Silvestre, estava registrando aumentos alarmantes de metais pesados
“Houve um ano em que diagnostiquei 18 crianças com uma doença muito rara que consiste em uma alteração imunológica. Comecei a avaliar o que poderia estar acontecendo e, com a ajuda de outros colegas, vimos que havia uma relação direta com a exposição a metais pesados, incluindo o mercúrio”, lembra Blanco, uma das pessoas mais queridas em Barrancabermeja por seu carisma, sua dedicação ao serviço e seu compromisso com as causas ambientais.
“En ese momento, un amigo sindicalista de Aguas de Barrancabermeja –empresa encargada del acueducto local- me regaló un informe que tenía la empresa guardado, hecho por la Universidad Pontificia Bolivariana, que señalaba un aumento, hasta en un 25 por ciento, de metales pesados, entre ellos el mercurio, en la ciénaga”, añade el médico.
“Nesse momento, um amigo sindicalista de Águas de Barrancabermeja – a empresa responsável pelo encanamento local – me deu um relatório que a empresa tinha guardado, preparado pela Universidade Pontifícia Bolivariana, que indicava um aumento de até 25% de metais pesados, inclusive mercúrio, no pântano“, acrescenta o médico.
“O aterro foi construído no coração de uma área considerada reserva ambiental, com muitas irregularidades”.
Óscar Sampayo
Assim começou um confronto entre os ambientalistas, a empresa de encanamento e o prefeito local, Darío Echeverri. A discussão se intensificou quando Sampayo e Blanco apontaram que a deterioração da qualidade da água do pântano se devia à construção do aterro sanitário Yerbabuena na comunidade Patio Bonito, no coração do Distrito de Gestão Integrada de Recursos Naturais Pântano de San Silvestre.
“O aterro foi construído no coração de uma área considerada reserva ambiental, com muitas irregularidades”, diz Sampayo, que deixou de lado seu trabalho como empresário imobiliário para dedicar-se totalmente à defesa e à proteção do meio ambiente. Segundo Sampayo, “a empresa de petróleo Oxy doou o terreno onde o trabalho foi realizado, local que coincidiu com um dos blocos que a Ecopetrol quer explorar usando o fracking“.
“Eles degradaram um território que era uma reserva ambiental porque já estava sendo degradado pelos lixiviados que se derramam sobre o pântano, para que mais tarde a autoridade ambiental possa dizer: ‘Bem, não há nada a proteger, é possível fazer o fracking”, continua Sampayo.
Entre as evidências que Sampayo apresenta está que, em 2013, a Corporação Autônoma Regional de Santander (CAS) – a autoridade ambiental regional – aprovou “a subtração de uma área do Distrito Regional de Gestão Integrada do Pântano San Silvestre para a construção e operação de um local para a disposição final de resíduos sólidos”.
“Eles degradaram um território que era uma reserva ambiental porque já estava sendo degradado pelos lixiviados que se derramam sobre o pântano, para que mais tarde a autoridade ambiental possa dizer: ‘Bem, não há nada a proteger, é possível fazer o fracking”.
Óscar Sampayo
Esta aprovação foi dada após a empresa Entorno Verde S.A E.S.P. ter realizado um estudo técnico mostrando a viabilidade da obra, que foi adjudicada em 2014 à construtora Construvías de Colombia S.A. (Construvicol) e que iniciou operações em 2015 mediante a Rediba S.A. E.S.P.
As denúncias dos ambientalistas foram conhecidas pela Procuradoria Geral da República. No âmbito de um dia anticorrupção que ocorreu em Barrancabermeja em 13 de junho de 2017, a Procuradoria Geral da República reuniu provas e testemunhos de moradores da comunidade Patio Bonito, permitindo ordena, dois meses depois, a prisão da então gerente da Rediba, Liliana Forero, acusada dos crimes de fraude processual, danos agravados aos recursos naturais, danos aos recursos naturais com caraterísticas de contaminação ambiental, ocultação e destruição de material probatório e invasão de propriedade. Em 22 de setembro do mesmo ano, um juiz de Barrancabermeja ordenou sua prisão em uma penitenciária.
Esta empresa, juntamente com Construvicol e Entorno Verde, está ligada a Reinaldo Bohórquez, um poderoso empreiteiro que executou obras de infraestrutura em vários municípios de Santander e que administra o negócio do lixo em Barrancabermeja, Floridablanca e Girón, bem como a disposição final dos resíduos gerados pela exploração do petróleo. Sua empresa Construvicol será responsável, em parceria com a empresa espanhola Aqualia Intech, pela construção da Estação de Tratamento de Resíduos Sólidos de Barrancabermeja (Ptar).
Nos círculos políticos de Santander, ele é conhecido por financiar campanhas políticas, incluindo a de Darío Echeverri, que foi eleito nas últimas eleições como prefeito de Barrancabermeja. “Eu participei de sua campanha porque ele disse que não ia permitir o aterro sanitário. Na verdade, quando ele foi eleito, eu fui nomeado como oficial de comunicação do prefeito com a CAS”, diz Sampayo, que acrescenta que “seis meses depois o homem mudou sua opinião, me demitiu e deu luz verde para o aterro sanitário”. Publicamente, foi dito que o aterro tinha sido financiado por Bohórquez.
Isto levou a um processo revogatório liderado por vários cidadãos de Barrancabermeja, incluindo o pediatra e Óscar Sampayo. Echeverri conseguiu manter seu mandato nas urnas, mas em fevereiro de 2018, a Procuradoria Geral o prendeu pelos crimes de coação ao eleitor, obstrução ao processo eleitoral, desvio de fundos e conspiração para cometer um crime. De acordo com o Ministério Público, Echeverri recorreu a práticas corruptas para impedir que os eleitores saíssem em massa no dia convocado para o processo revogatório.
“O que isso nos custou? Bem, no meu caso, ser vítima da maior campanha de difamação por parte dos advogados das empresas de Bohórquez”.
Óscar Yesid Blanco.
Não foi a única luta que ambos Sampayo e Blanco tiveram contra os advogados de Bohórquez. Em tom de brincadeira, ambos dizem que tiveram que ir ao banco de testemunhas tantas vezes nos últimos anos que perderam a conta.
“Denunciamos que a presença de lixiviados na água de Barrancabermeja é devida à execução do aterro sanitário. Também apontamos que as autoridades ambientais fizeram vista grossa e não tomaram nenhuma medida contra este homem. O que isso nos custou? Bem, no meu caso, ser vítima da maior campanha de difamação por parte dos advogados das empresas de Bohórquez”, diz o médico Óscar Yesid Blanco.
De acordo com Blanco, um jornalista local publicou uma matéria falsa sobre ele em seu site. Depois que o médico o denunciou por calúnia, o jornalista admitiu ao juiz que havia recebido um pagamento de um dos advogados da Rediba S.A. E.S.P., uma das empresas da Bohórquez.
“Acontece que um jornalista, Gustavo Duarte, publicou notícias falsas sobre mim em seu site La Tea Noticia”, continuou o pediatra, “eu o denunciei por calúnia. Diante do juiz, o jornalista admitiu que o advogado Cristián Gutiérrez, que mais tarde descobrimos que trabalhava para a Rediba S.A. E.S.P., empresa de Bohórquez, pagou- lhe para publicar mentiras a meu respeito. Esse processo foi tratado pelo 6º Ministério Público em Barrancabermeja”.
“Eles me disseram: ‘Doutor, temos informações muito sérias, de fontes muito confiáveis, de que há um plano em andamento para fazer um atentado contra sua vida. Sugerimos que você deixe a cidade’. Eu não hesitei, e no dia seguinte, eu estava fora do país”
Óscar Yesid Blanco.
As pressões contra ambos os ambientalistas se intensificaram à medida que a gravidade de suas denúncias aumentava. Sampayo obteve em outubro de 2018 uma medida de proteção da Unidade de Proteção Nacional do governo. O médico, que não foi tão afortunado, recebeu em novembro uma chamada da Corporação Regional de Defesa dos Direitos Humanos (Credhos), uma ONG regional de direitos humanos.
“Eles me disseram: ‘Doutor, temos informações muito sérias, de fontes muito confiáveis, de que há um plano em andamento para fazer um atentado contra sua vida. Sugerimos que você deixe a cidade’. Eu não hesitei, e no dia seguinte, eu estava fora do país”, diz ele de seu exílio em uma cidade que ele prefere não citar.
A expectativa
Apesar das ameaças, quase todos os líderes anti-fracking afirmam que continuarão se opondo à técnica.
Em El Llanito de Barrancabermeja eles não descartam as manifestações, greves cívicas e marchas para proteger o Pântano de San Silvestre, que eles consideram a vida e a alma de seu povo.
Apesar das ameaças, quase todos os líderes anti-fracking afirmam que continuarão se opondo à técnica.
Em San Martin, eles continuam com sua resistência aos testes piloto. De fato, após várias reuniões e audiências públicas realizadas ao longo de 2018 por membros da Cordatec e funcionários da Agência Nacional de Licenciamento Ambiental (ANLA), a entidade decidiu suspender temporariamente, através dos Autos 6117 de 9 de outubro de 2018 e 6445 de 23 de outubro do mesmo ano, duas licenças ambientais concedidas à empresa de petróleo ConocoPhillips Colombia Ventures Ltda.
De acordo com a entidade governamental responsável pelas licenças ambientais, os estudos de impacto ambiental – nas palavras deles – “não atendem às exigências da autoridade ambiental” porque “não cumprem os termos de referência para a exploração de hidrocarbonetos em reservatórios não convencionais”.
“A empresa continua trazendo máquinas para Cuatro Bocas, onde está localizado o poço Pico Plata 1, e a verdade é que não sabemos o que eles estão fazendo lá”.
Dora Stella Gutiérrez
“Foi uma pequena conquista para nós”, diz Dora Stella Gutiérrez, atual presidente da Cordatec, “mas ainda assim, é uma suspensão temporária. A empresa continua trazendo máquinas para Cuatro Bocas, onde está localizado o poço Pico Plata 1, e a verdade é que não sabemos o que eles estão fazendo lá”.
Para os ambientalistas, a discussão sobre o fraturamento hidráulico não deve se limitar apenas ao potencial econômico do subsolo, mas também à riqueza natural de sua superfície.
“e acho que é hora de pensar em fazer a transição para energias limpas e renováveis”.
Óscar Sampayo
“Se o petróleo acabar, acaba também a vida em Barrancabermeja? Eu não penso assim, e acho que é hora de pensar em fazer a transição para energias limpas e renováveis”, disse Sampayo.
Enquanto isso, Dora Stella, que forjou uma próspera carreira como comerciante de mercearia em San Martín, afirma que o petróleo não será a salvação econômica de sua cidade.
“Com o fracking será pior, eles acabarão com a água e a terra, e teremos que nos mudar para outra cidade porque não haverá mais vida aqui”
Dora Stella Gutiérrez
“Há cerca de três anos, esta empresa de petróleo veio à aldeia com seus trabalhadores e empreiteiras. Por acaso nossas vendas aumentaram? Não. Pelo contrário, já temos problemas de prostituição e roubo. Com o fracking será pior, eles acabarão com a água e a terra, e teremos que nos mudar para outra cidade porque não haverá mais vida aqui”, diz Dora Stella.