Linconao e Curamil: O custo de proteger a natureza na Araucanía

Francisca Linconao e Alberto Curamil são mapuches e defensores do meio ambiente. Ambos conseguiram a proteção judicial de ambientes naturais e posteriormente foram acusados de crimes graves, processados e absolvidos. Seus casos mostram que pertencer a um povo indígena e defender a terra podem ser condições duplamente perigosas no Chile.

– Esta vai ser a última entrevista que faço. Depois desta, não há mais. Estou cansada, com dor de cabeça a cada dia e estou ficando cada vez pior. Acabou.

Francisca Linconao Huircapán, de 63 anos, está sentada na sala de jantar de sua casa na comunidade de Padre Las Casas, na região da Araucanía, no sul do Chile. Ela congela o olhar no jardim, franze a sobrancelha, engole saliva, estende a mão direita e bate em uma mesa de madeira enquanto, com raiva acumulada, anuncia que não atenderá mais a imprensa. Cada uma de suas frases é seguida por um silêncio esmagador. Quando ele se cala, tudo o que pode ser ouvido é o piar das galinhas e um ximango no pátio vizinho tentando desmembrar os restos de um porco.

A amargura não é caprichosa. Embora ela gostasse de apagá-las, em sua memória ela guarda as imagens propagadas quando foi presa por – supostamente – ter participado de um ataque incendiário que pôs fim à vida de um casal em 2013. Além de estar algemada, acompanhada por policiais e visivelmente irritada, ela foi retratada sem o penteado e roupas que ela deve usar como machi (xamã). 

Porque há muitas maneiras de apresentar Francisca Linconao, mas para ela uma é a mais importante: ela é uma machi, uma autoridade ancestral mapuche que – de acordo com as crenças desse povo originário – pode curar doenças físicas e da alma através de ervas medicinais e ritos. A espiritualidade mapuche sustenta que não é algo voluntário, mas que o desígnio é revelado através de uma peuma (sonho) e que não há como recusá-lo.

Machi Francisca Linconao. Foto: Benjamín Miranda.

A machi Linconao foi acusada duas vezes pela morte do casal Luchsinger Mackay. E foi absolvida pela justiça duas vezes. A Procuradoria chileno tentou provar que ela organizou o ataque incendiário que acabou com a vida de ambos, que ela reuniu os participantes em sua casa algumas horas antes do crime, que ela os acompanhou até a propriedade do casal de idosos que morreu queimado em janeiro de 2013 e depois abrigou seus supostos cúmplices. Mas as acusações caíram uma após outra nos tribunais. A Procuradoria também tentou acusá-la de posse ilegal de armas e munições, mas a justiça decidiu que não havia provas para confirmar que a espingarda encontrada em sua casa era dela. A defesa advertiu que a aparição da arma era uma armadilha, mas essa acusação nunca foi investigada.

Na época, a machi Linconao já era um nome familiar na mídia e no Judiciário. Ela apareceu nas manchetes pela primeira vez em 2009, quando conseguiu parar as motosserras de um conhecido empresário local que cortava ilegalmente árvores na colina de Rahue, onde ela costumava recolher suas ervas medicinais. Foi uma decisão histórica, pois ela logrou a proteção para a colina graças à aplicação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre os povos indígenas. Foi a primeira vez que a convenção foi aplicada no Chile.

Sua vitória representa um marco na proteção do meio ambiente no país. Particularmente na Araucanía, uma área rica em vegetação e ecossistemas que abriga ou é reivindicada pelas comunidades mapuche. Várias dessas comunidades denunciam que suas terras estão sob a ameaça permanente de serem danificadas pelas atividades das empresas florestais e madeireiras.

Conforme a opinião de Jaime López, o advogado que representou a machi quando foi envolvida no caso do fatídico incêndio, a decisão que resultou na proteção do morro Rahue também teve seus custos.

-É claro que foi nesse momento que ela entrou no radar da polícia e em suas ferramentas de inteligência. Antes disso, ela era conhecida, mas somente a nível comunitário, por seu trabalho como curandeira. Entretanto, a ação judicial que ela ganhou em favor de do morro Rahue fez dela um alvo de interesse para os carabineiros, diz.

Jaime López, abogado defensor de la machi Francisca Linconao. Cortesía de Jaime López.

Isto não é uma especulação ou uma vaga suspeita. Um oficial da Seção de Inteligência de Carabineiros, a polícia uniformizada do Chile, confirmou isso durante um dos dois julgamentos em que a machi era ré. “Que mais tarde ela fosse implicada em um caso tão delicado, e com provas tão fracas da Procuradoria, sugere, de nossa perspectiva, que ela era alvo de perseguição desde o momento que ela conseguiu proteger o morro Rahue”, acrescenta López.

A machi Linconao compartilha este ponto de vista e o deu a conhecer quando testemunhou perante a justiça. No tribunal, ela alegou sua inocência em seu característico espanhol maltratado – sua língua nativa é o mapuzungun – e com uma mistura de raiva e medo. Agora, sentada em sua casa, acompanhada por sua irmã Juana, sem promotores, juízes ou câmeras, seu tom é o mesmo.

Ousei denunciar em favor do morro, porque ninguém ousa fazer isso, e eu ganhei. Depois passei quatro meses na prisão acusada de algo que não fiz, onde fiz greve de fome e tudo por causa da injustiça da qual era vítima. E ninguém jamais me pediu perdão quando fui absolvida.

-Como eu não poderia estar doente e com raiva?- Pergunta.

A proteção do morro

Ela não se lembra do dia exato, mas sim do som que a alertou. Francisca Linconao estava em casa em uma segunda-feira de setembro de 2008 quando ouviu as motosserras se aproximando cada vez mais de sua propriedade. Quando ela olhou para fora da porta, percebeu que o barulho vinha do morro Rahue, onde cresce uma floresta nativa de importante significado para a cultura mapuche.

No morro há árvores nativas como o loureiro, o mate, o maitén e a casca-de-anta. São plantas que, segundo a crença mapuche, têm as propriedades de curar dores e doenças de acordo com a forma como são aplicadas: a decocção da casca da casca-de-anta, por exemplo, é usada como tratamento contra o escorbuto, enquanto as infusões de folhas de louro são usadas como analgésico geral.

“Donde uno ve vida como machi, las empresas pueden ver plata o ganancia”

Machi Francisca Linconao, autoridad ancestral mapuche

No mesmo morro havia também menoko, lugares sagrados que também se destacam por sua biodiversidade, tais como nascentes – ou pântanos – abundantes em água e vegetação arbustiva. Estes são espaços culturais e medicinais de grande importância para as machi, pois são, nas palavras da Corporação Nacional Indígena (Conadi), “verdadeiros reservatórios de flora tradicional e microfauna, identificados pela comunidade local, e com diversos significados religiosos e tradicionais”. Segundo a crença indígena, ao redor dos menokonewen, uma força ou energia que transcende o plano físico da cosmovisão mapuche.

-A primeira coisa que eu pensei foi que eles estavam cortando isso, os menoko, meus lugares sagrados e os lawen (remédios naturais). Onde você como machi vê vida, as empresas podem ver dinheiro ou lucro. Eu me propus imediatamente a encontrar a pessoa responsável por isso e denunciar o que eles estavam fazendo perante a justiça- lembra-se.

Machi Francisca Linconao ingresando a su casa. Foto: Benjamín Miranda.

A empresa que estava cortando as árvores era a Sociedade Palermo Limitada, representada por Alejandro Taladriz Montesinos. Não era uma empresa qualquer nem um vizinho qualquer. Os Taladriz são uma família com uma longa tradição na Araucanía, associada a diferentes setores empresariais. O irmão de Alejandro, Emilio Taladriz, foi diretor da Multigremial da Araucanía entre 2012 e 2015, uma organização que reúne empresas dos setores do salmão, industrial, agrícola, madeireiro, florestal e hoteleiro. Ele também foi presidente regional de Temuco na Câmara de Construção do Chile. Entre 2014 e 2018, Emilio Taladriz arrendou uma casa para a Unidade de Inteligência Operacional dos Carabineiros (UIOE), de onde – como informou a CIPER – foram realizadas escutas telefônicas de pessoas mapuches consideradas de interesse policial. 

a Suprema Corte ratificou que a empresa Taladriz estava se realizando o corte ilegal de árvores que afetava o direito de acesso da machi a suas ervas medicinais

Patrocinado pelo advogado Jorge Faundes, o recurso de proteção em favor do morro Rahue foi apresentado em 2008 e processado até 2009, quando a Suprema Corte ratificou que a empresa Taladriz estava se realizando o corte ilegal de árvores que afetava o direito de acesso da machi a suas ervas medicinais. Durante o processo judicial, a Diretoria Regional de Águas da Araucanía confirmou que, em uma das encostas do morro ameaçadas pelo corte da árvore, havia três nascentes originadas como nascentes de água subterrâneas e que estavam cercadas por vegetação nativa. A Corporação Nacional Florestal (Conaf), responsável pela política florestal chilena, também verificou no terreno que a empresa Taladriz tinha cortado parte da floresta nativa que crescia na encosta sudeste do morro Rahue sem sua autorização. O território afetado seria utilizado para plantar pinheiros, uma espécie exótica invasora que é utilizada para exportar madeira, mas que prejudica o crescimento das florestas de araucárias e da fauna que delas depende.

A decisão foi uma vitória judicial sem precedentes. Entre outros pontos, a mais alta corte estabeleceu que a empresa “deve abster-se de cortar árvores e arbustos nativos dentro do perímetro dos 400 metros mais próximos das nascentes existentes, pois isso é proibido pela legislação florestal e porque estes têm um caráter sagrado para o povo mapuche”. (Leia aqui uma análise da sentença do advogado Jorge Faundes).Com a assinatura da Suprema Corte, os menoko e as ervas medicinais usadas pela machi passaram a ser protegidas pela justiça. Foi uma decisão sem precedentes que Francisca Linconao valoriza. Mas há uma coisa que ainda não sai de sua mente.

-Taladriz cumpriu a decisão da justiça e não cortou nem um centímetro a mais. Mas, eu me pergunto, como ninguém ouviu as motosserras antes? Como ninguém ousou dizer-lhe que isso não poderia ser feito, porque havia espécies sagradas para nós? Se eu não tivesse percebido, o que teria acontecido? Ele poderia ter arrasado o morro inteiro. Algumas pessoas não sabem que temos que levantar nossas vozes, e muito alto, para que os winca (pessoas que não são mapuche) nos escutem.

Primeiro julgamento: o trabalho de inteligência e a testemunha que não apareceu

A habitual calma matinal em Vilcún, uma cidade localizada na região da Araucanía, foi interrompida por sirenes e fumaça no dia 4 de janeiro de 2013. A casa da fazenda Granja Lumahue, de propriedade da família Luchsinger Mackay, estava em chamas. Um grupo indeterminado foi para lá, incendiou a propriedade e depois foi embora. Seus ocupantes, Werner Luchsinger (75) e Vivianne Mackay (69), tentaram repelir o ataque, mas foram queimados até a morte.

O assassinato do casal representa um dos crimes mais emblemáticos do chamado “conflito mapuche”, que coloca as organizações mapuches contra o Estado chileno. A recuperação da terra e o reconhecimento de sua autonomia como um Estado-nação são as principais bandeiras das comunidades indígenas. É uma luta que está sendo travada em diferentes frentes e com diferentes métodos: alguns optam pelo caminho institucional, há células que defendem o uso das armas, grupos que se dedicam a queimar prédios e maquinaria, e outros que preferem exercer pressão ocupando edifícios institucionais, como a Corporação Nacional para o Desenvolvimento Indígena (Conadi) ou prefeituras.

A machi Linconao nunca tinha sido ligada a um ato de reivindicação deste tipo. Assim foi até que a polícia invadiu sua casa poucas horas após o incêndio.

Os testemunhos judiciais dados pelos carabineiros nos permitem traçar uma linha do tempo desde o início da investigação para determinar quem tinha participado do ataque até prender a machi às seis horas da noite do mesmo dia. E também os principais pontos fracos do relato do acusador.

A cronologia começa na escuridão. Quando ainda não tinha saído o sol, o pessoal da Seção de Inteligência de Carabineiros (Sipolcar) foi à fazenda, procurou evidências dos atacantes e determinou para onde eles tinha ido. Eles encontraram pegadas, dois cartuchos de espingarda que não tinha sito percutidos, e uma cápsula, elementos que sugeriam uma fuga na direção do morro Rahue. Em um momento indeterminado, eles entrevistaram uma testemunha que disse ter ouvido cães latindo, murmúrio e caminhonetes dirigindo-se para a casa de Francisca Linconao, localizada a menos de dez quilômetros de distância.

Terreno de la machi Francisca Linconao. Foto: Benjamín Miranda.

Com estas pistas, eles disseram ao coronel de carabineiros Pedro Larrondo Borsotto, agora aposentado e na época chefe de operações na Araucanía, que era necessário revistar a casa da machi. Larrondo entrou em contato com o promotor Juan Pablo Gerli, que entrou em contato com o Juiz de Garantia de Temuco, Nicolás Martínez Conde, que emitiu uma ordem verbal às cinco horas da tarde. Cerca de 30 carabineiros participaram: dois piquetes do Grupo de Operações Policiais Especiais (Gope), membros do Laboratório de Criminalística (Labocar) e outros da Sipolcar. O grande contingente era devido às supostas pistas arrecadadas pela Inteligência, pois havia a possibilidade de que os atacantes permanecessem na casa da machi, armados.

No local, apenas Francisca Linconao, sua irmã Juana, sua sobrinha Francisca e uma menor foram encontradas. Nenhum vestígio de qualquer participante do incêndio.

Depois de revistar três das quatro casas que há no terreno da machi – onde só encontraram uma faca que ela usava para cortar sacos de farinha – o início do registro audiovisual, gravado por carabineiros, mostra claramente que um oficial à paisana, de camisa verde, pertencente à Sipolcar, entrou na quarta propriedade sem ser acompanhado pelo Gope ou Labocar. Ele levava uma mochila sobre o ombro. Esse espaço fechado, com uma chaminé no centro, é o que Francisca Linconao usava como ruca, a moradia tradicional mapuche.  

Outro carabineiro à paisana, de camisa azul, também da Sipolcar, ficou à porta e impediu que Juana entrasse, que tentou entrar no local após o policial. No vídeo ouve-se quando ela é instruída: “Mantenha-se do lado de fora, mantenha-se do lado de fora (…) fique ali”.

Não há nenhuma gravação que nos permita saber com certeza o que aconteceu uma vez que o membro da inteligência entrou. Tampouco foi revelada sua identidade. O único fato inegável é que, após esta sequência, uma espingarda artesanal, munições, uma balaclava, luvas e 114 panfletos alusivos ao “conflito mapuche” foram encontrados ali. 

A machi foi presa e acusada de posse ilegal de armas e munições. O relatório de prisão dos carabineiros, assim como a declaração judicial do coronel Borsotto, deixou claro que as pistas preliminares e a entrevista da testemunha que apontou Francisca Linconao como suspeita foram levantadas pela Sipolcar. O documento – revelado pela primeira vez pela CIPER para esta matéria – também afirmava que, segundo testemunhas, “a acusada coopera constantemente em logística e esconde pessoas em sua casa após cometer atos de violência”.

Durante la investigación se advirtieron serias irregularidades en el trabajo previo al allanamiento y en el procedimiento mismo.

O julgamento por posse ilegal de armas e munições durou até outubro de 2013. Durante a investigação, foram observadas graves irregularidades no trabalho anterior à invasão e no próprio procedimento. Por um lado, nunca foi possível identificar a suposta testemunha que tinha ouvido caminhões que se dirigiam para a casa da machi. Os oficiais da inteligência dos carabineiros disseram que lhe pediram sua identidade, mas que ele se recusou a revelá-la por medo de represálias. Eles também não deram uma descrição precisa da localização de sua casa.

Por outro lado, não foi possível identificar o membro da inteligência policial que entrou na ruca com uma mochila e encontrou a arma e as munições, nem em que lugar específico a descoberta ocorreu.Em seu depoimento, a machi disse que, antes de ser invadida pelos carabineiros, ela entrou na ruca e que não havia ali armas, munições ou panfletos. Apenas uma caixa vazia. Em seu julgamento de absolvição em 18 de outubro de 2013, o Tribunal Oral Penal de Temuco estabeleceu como “plausível o que a acusada declarou (…) que não sabia nada sobre a existência dessas armas e cartuchos”.

“as provas eram insuficientes para demonstrar que tanto a arma quanto os cartuchos estavam sob a custódia da acusada”

Tribunal

A Procuradoria não conseguiu provar sua tese. Especificamente, o tribunal considerou que “as provas eram insuficientes para demonstrar que tanto a arma quanto os cartuchos estavam sob a custódia da acusada”. E acrescentou: “Além disso, não houve testes de impressões digitais nesses itens ou testemunhas para provar que eles pertenciam ou podiam determinar qualquer relação com dona Francisca ou que foi ela quem os deixou ou escondeu naquele lugar, de modo que não se pode presumir que eles eram de propriedade ou possuídos pelo simples fato de terem sido encontrados em um dos prédios da propriedade onde ela morava com as outras mulheres”.

Jaime Lopez, advogado de defesa de Francisca Linconao, diz nunca ter duvidado da absolvição. “As provas fornecidas pela acusação não tinham nenhum embasamento. Pelo contrário, o processo de investigação deixou claro que sua história, apoiada pelo trabalho da Sipolcar, deixou mais dúvidas do que certezas”, diz ele.

O que ele não esperava, afirma, é que este fosse apenas o primeiro capítulo do assédio legal contra a machi no referente ao ataque à fazenda Luchsinger-Mackay. Quatro anos mais tarde, a autoridade ancestral mapuche voltou ao banco de testemunhas. E desta vez com acusações de participação direta no crime.

Um Nobel verde atrás das grades

Para outro líder mapuche, Alberto Curamil, o assédio judicial semelhante começou em 2018. Quatro anos antes, em 2014, este homem de 43 anos, lonko (cacique) de uma das 130 comunidades que se articulam na Aliança Territorial Mapuche (ATM) e um dos principais líderes desta organização que busca a reivindicação dos direitos econômicos, ancestrais e políticos do povo mapuche, promoveu a oposição a dois projetos hidrelétricos no rio Cautín que, segundo a denúncia da organização indígena, desviariam e danificariam seu curso.

Em agosto de 2018, o também líder mapuche foi preso por um roubo a um fundo de compensação, uma entidade privada que administra os benefícios da previdência social. Antes de ser absolvido por falta de provas, ele passou um ano e quatro meses em prisão provisória.

É algo a que nós, os líderes do Wallmapu (território mapuche), estamos expostos. Infelizmente, isso é o que acontece. Meu caso e outros o mostram, diz Curamil em sua casa. Atrás dele está pendurada uma bandeira azul com uma estrela branca de oito pontas no centro, o emblema usado pelos guerreiros mapuche no século XVIII quando enfrentaram os espanhóis.

Ao contrário da machi Linconao, Curamil ganhou notoriedade pública porque ele se tornou uma dos rostos de uma organização conhecida na área. A ATM nasceu em meados da última década como resultado do descontentamento das comunidades mapuches e sempre se mostrou aberto ao diálogo com autoridades locais e sindicatos, ao contrário de outros grupos. Apesar disso, a unidade de inteligência dos carabineiros tem mantido a ATM sob sua mira desde pelo menos 2017. Isto foi declarado em um relatório policial secreto revelado pela CIPER em 2019, quando Camilo Catrillanca – um membro da comunidade mapuche que pertencia à mesma organização – foi morto pelo carabineiro Carlos Alarcón.

Alberto Curamil. Foto: La Tercera.

Uma das primeiras vezes em que Curamil foi destaque por sua defesa do rio Cautín – que nasce no vulcão Lonquimay, também na região da Araucanía, estendendo-se por 174 quilômetros através de Temuco – foi em 2014. Em julho daquele ano, os advogados da ATM Manuela Royo e Millaray Caniumán apresentaram um recurso de proteção contra a Hidroelétrica Alto Cautín S.A., um projeto de geração líquida de 6 Megawatts (MW) promovido pela empresa Alto Cautín S.A.

Este recurso conseguiu interromper o trabalho preparatório para a usina, que consistia basicamente no corte de árvores na área ao redor do leito do rio. A alegação do ATM e de seus advogados era que as comunidades que seriam afetadas pela hidroelétrica nunca foram consultadas ou levadas em conta antes de sua aprovação. Portanto, pediram que os trabalhos fossem suspensos e que a resolução do Serviço de Avaliação Ambiental (SEA) do governo nacional, que havia qualificado positivamente a operação, fosse anulada. Um mês depois, em agosto do mesmo ano, o Tribunal de Apelação de Temuco ordenou uma interrupção temporária dos trabalhos.

“Este é um projeto para extrair energia dos rios, levando-a através de gigantescas linhas de energia ao norte através do sistema interconectado, para satisfazer as grandes necessidades energéticas das indústrias e empresas de mineração”, disse o lonko Curamil em uma entrevista de 2015.

A Alto Cautín S.A. cessou definitivamente seus trabalhos em maio de 2016, após uma resolução do SEA emitida em Santiago.

-O resultado deste processo foi considerado uma vitória para as comunidades e para a sociedade organizada de Curacautín. Alberto já estava desempenhando um papel de liderança na defesa do rio, pois ele era capaz de articular diferentes comunidades e colocá-las em contato com acadêmicos e advogados para defender o rio. Pouco depois, ele reafirmou esse papel com o segundo projeto que conseguimos deter, a hidrelétrica de Doña Alicia, diz Manuela Royo, a advogada que representou a ATM.

O caminho percorrido para impedir o funcionamento deste segundo projeto começou em 2016 e terminou dois anos depois, com uma decisão da Suprema Corte que aceitou a denúncia das comunidades indígenas.

Manuela Royo, abogada representante de la Alianza Territorial Mapuche (ATM).

A Doña Alicia ia ser uma usina elétrica também localizada no rio Cautín. Teria tido uma capacidade de geração líquida de 6,3 MW e suas principais obras incluíram a construção de um canal de adução enterrado e de um reservatório de 1,3 hectares. No total, a área que teria sido envolvida no projeto teria atingido 12,9 hectares. Legalmente representada pelo engenheiro espanhol José Rovira Berengueras, a hidrelétrica Doña Alicia teve um investimento de US$20,3 milhões, de acordo com informações oficiais no site do Sistema de Avaliação de Impacto Ambiental (SEIA).

“Era um peixe maior que a Alto Cautín”, diz Curamil. Ao apresentar a primeira ação legal para impedir a operação do projeto, ele disse à imprensa local que a ação legal fazia parte “da defesa da Ixofillmogen, a biodiversidade da qual todos fazemos parte, assim como os rios, os morros e o meio ambiente que nos rodeia”.

Os problemas do lonko com a justiça começaram precisamente em 2018. Em agosto daquele ano, ele foi de repente preso. As acusações apresentadas pela Procuradoria estavam relacionadas ao roubo de um fundo de indenização ocorrido quatro meses antes em Galvarino, também na Araucanía.

A origem da investigação pela Procuradoria foi uma chamada anônima recebida em Santiago pela Subsecretaria de Prevenção ao Crime, que faz parte do Ministério do Interior. De acordo com os antecedentes contidos na pasta, essa chamada identificou Curamil e outras cinco pessoas como suspeitos.

“Em 25 de abril de 2018 ficou conhecido de maneira anônima, através do telefone 6004000101 do centro de recepção de análises e informações criminais do programa Denuncia Seguro que Alberto Curamil, chileno, sem ocupação, 45 anos, que mede 1,65mtr, de pele morena, cabelo preto curto; José Rodríguez Cáceres Salamanca; Victor Llanquileo; Daniela Lopez; Álvaro, apelidado de toti, chileno, sem ocupação; Florencio Lopez, juntamente com três ou quatro homens, estaria envolvido neste crime de roubo com intimidação e porte ilegal de arma ocorrido no fundo de indenização os Heróis, na comuna de Galvarino”, diz o documento.

Então, em novembro de 2018, o Ministério Público reformalizou o caso e especificou a suposta participação do lonko: disse que ele tinha chegado em 24 de abril, às 8:30 da manhã, à loja roubada, equipado com armas automáticas, armas de fogo curtas e machados, juntamente com os demais envolvidos. Depois de roubar mais de 76 milhões de pesos (cerca de 45 mil dólares) de um cofre, Curamil teria usado – segundo a Procuradoria – como refém a uma funcionária para neutralizar os carabineiros e escapar em um veículo. Naquela audiência, o promotor também mencionou que, após invadir a casa do líder da ATM, foi encontrada uma espingarda de calibre 12 com um mandado para um assalto anterior, uma segunda espingarda feita à mão, uma caixa de munição de 9 mm e vários cartuchos. Por todos esses fatos, a Procuradoria pediu mais de 45 anos de sentença efetiva por roubo com violência, homicídio frustrado de carabineiros e posse ilegal de armas e munições.

“Teníamos abundante evidencia de lo que hizo Alberto ese día y confirmaba que nunca estuvo en Galvarino a la hora del asalto”.

Manuela Royo.

Enquanto isso, a defesa argumentou que Curamil não estava sequer em Galvarino quando aconteceram os acontecimentos. Naquele momento, o líder mapuche estava a mais de 50 quilômetros de distância, em Victoria.

-Tínhamos provas abundantes do que Alberto fez naquele dia, confirmando que ele nunca estava em Galvarino no momento do roubo. Naquela manhã até nos encontramos em Victoria, quando vimos nas notícias que um conhecido nosso, Rodrigo Cáceres Salamanca, tinha sido preso como resultado do crime, diz a advogada Royo, que inicialmente participou do julgamento como defensora de Curamil e mais tarde como testemunha dele, já que ela o tinha visto e acompanhado a outro lugar no mesmo dia dos acontecimentos.

O lonko permaneceu em prisão preventiva entre agosto de 2018 e dezembro de 2019. Naquela época, ele recebeu o Prêmio Ambiental Goldman, também chamado “Nobel ambiental” ou “Nobel Verde”, dado aos defensores do meio ambiente.

Créditos: Goldman Environmental Prize.

A Fundação Goldman dos Estados Unidos, organizadora do prêmio, ressaltou que Curamil “é um líder e porta-voz altamente respeitado da Aliança Territorial Mapuche (ATM), e tem dedicado seu trabalho à proteção dos rios e florestas da região (…). Tanto as comunidades quanto os envolvidos na resistência aos projetos hidrelétricos acreditam unanimemente que Alberto Curamil foi preso por causa de seu papel na luta para impedir seu avanço”. O diretor de comunicação do prêmio, Ian Kayatsky, acrescentou que o lonko foi premiado “por causa de sua liderança feroz na construção de coalizão e por sua poderosa defesa para proteger o rio Cautín e o território mapuche. Ele tem sido um forte defensor de seu povo e da terra e dos rios e merece a atenção e o respeito da comunidade internacional”.

Como Curamil ainda se encontrava sob prisão preventiva, sua filha Belén e o comuneiro Miguel Melín participaram da cerimônia de entrega em abril de 2019 em São Francisco.

-Penso que ajudou a tornar visível a luta e o trabalho que estávamos fazendo em nosso território, o que contradizia a acusação feita pelo governo e pela Procuradoria. Eles nos acusaram de sermos delinquentes, disseram que éramos praticamente criminosos e que estávamos nos aproveitando da causa. Penso que, mais do que qualquer outra coisa, o prêmio foi como uma testemunha, como mais uma declaração que falava sobre meu trabalho. Contudo, a corte tinha a última palavra, Curamil reflete.

Créditos: Goldman Environmental Prize

Essa última palavra foi pronunciada em 23 de dezembro de 2019 pelo Tribunal Penal de Temuco:  absolvição

A justiça determinou que não poderia ser comprovado que Curamil tinha participado do roubo, já que nenhuma testemunha ou vítima direta o reconheceu e só houve testemunhas citadas por carabineiros. Não foram fornecidos mais detalhes sobre a denúncia anônima feita ao número de telefone especial da Procuradoria e não foi possível provar que o lonko era o proprietário das armas e munições encontradas em sua casa, uma vez que ele não estava presente durante a invasão da polícia, que, além disso, nunca especificou o lugar da propriedade donde as encontraram. Finalmente, os juízes descobriram que ter Víctor Llanquileo Pilquimán, que foi condenado junto com Rodrigo Cáceres Salamanca neste caso, entre seus contatos no Facebook, não era um argumento para sustentar sua ligação com o roubo, como os carabineiros tentaram postular através de uma “análise das redes sociais”.

Depois de sua absolvição, Curamil diz que ele e Manuela Royo estão preparando uma ação civil contra o Estado chileno.

-Eles tentaram estigmatizar nossas exigências legítimas e me difamaram como uma criminosa com um esquema grosseiro. Aqui existe a intenção de condenar os mapuche a todo custo, com ou sem provas. Isso nos faz sentir muita raiva, diz ela.

A advogada Manuela Royo também tem um histórico de assédio contra ela. Membro do Escritório de Defesa Criminal Mapuche, uma organização sem fins lucrativos, ela diz ter experimentado “situações anormais” que ela se relaciona com sua representação legal dos comuneiros, tais como a presença de carabineiros à paisana fora de sua casa em Temuco e carros que também vigiavam sua casa 24 horas por dia.

Um dos episódios que ela mais se lembra, entretanto, tem a ver com sua vida privada: um dia, em 2018, ela saiu para almoçar com um porta-voz da ATM e seu parceiro na época recebeu fotografias daquele almoço de um número anônimo, com uma mensagem sugerindo uma suposta infidelidade.

-Da mesma mineira que a criminalização dos líderes mapuches não é uma questão nova, também não é o emprego desses métodos de assédio ou vigilância contra as pessoas que representamos e acompanhamos esses líderes. Embora seja chocante que alguém que conhecemos seja preso ou acusado de um crime, isso ainda faz parte da rotina. O mesmo acontece com as consequências que nós enfrentamos, conclui Royo.

Segunda e terceira absolvição da machi: os flancos da Procuradoria

-De que você está cansada, machi?

-De ter que lembrar.

Francisca Linconao nunca relaxa seu franzido. Exceto quando ela fala sobre os dois julgamentos que teve no caso Luchsinger-Mackay. Ela diz que, desde então, tem sofrido um esgotamento físico e mental irreparável. Ele afirma que o tempo que passou em prisão preventiva desencadeou uma dor de cabeça crônica e uma gastroenterite. Estas dores também podem ser uma consequência da greve de fome que realizou entre 23 de dezembro de 2016 e 5 de janeiro de 2017, quando estava em prisão domiciliar. Ele chegou a pesar de 43 quilos aos 60 anos de idade.

O segundo capítulo de seu assédio judicial foi escrito em 2017, quatro anos após ela ter sido absolvida da posse ilegal de armas e munições.

A machi estava novamente envolvida no caso quando o testemunho de José Peralino Huinca veio à tona, ele é um delator premiado que agora está cumprindo uma sentença de liberdade condicional pelo caso Luchsinger-Mackay. Peralino testemunhou três vezes: em novembro de 2013, outubro de 2015 e março de 2016. No primeiro, ele afirmou que participou do incêndio que resultou na morte do casal, e que testemunhou uma reunião que a machi organizou em sua casa na noite anterior. Sua declaração colocou Francisca Linconao como a mentora e participante direta.

Mas no terceiro depoimento, o único feito em audiência pública, ele disse ter sido pressionado por agentes da Polícia Investigativa (PDI) para assinar a declaração de 2013, que ele a fez sem a presença de um advogado, que não sabe ler ou escrever fluentemente e que até pensou em se matar quando a perseguição contra os acusados começou.

o delator premiado  tinha “uma maturidade social equivalente a 12 anos”

Patricia Condemarín Bustos.

Um relatório de junho de 2016 da psicóloga da Universidade do Chile Patricia Condemarín Bustos concluiu que o delator premiado  tinha “uma maturidade social equivalente a 12 anos”. Em conclusão, esta análise mostrou que Peralino “apresenta uma deficiência mental que afeta seu funcionamento psicológico e sua linguagem, não podendo dar testemunho com a estrutura de linguagem, redação e vocabulário que é consignada na declaração de outubro de 2015 e na declaração de novembro de 2013, sendo consistente a versão de ter sido pressionado por pessoal da polícia a assinar essa declaração”.

Isso não importou. A acusação avançou com as pistas dadas pelo acusado em seus dois primeiros depoimentos. Em sua versão, Francisca Linconao teve um papel fundamental no ataque contra a fazenda Granja Lumahue. Com base nessa declaração, um especialista da PDI fez uma recriação animada em 3D da suposta reunião na casa da machi, na noite anterior ao incêndio.

Francisca Linconao foi exibida na animação na frente de um grupo de 30 pessoas, dando instruções e, mais tarde, atravessando uma cerca de madeira que protegia a casa do casal Luchsinger-Mackay.

“Foi risível ver uma recriação da machi, aos 56 anos de idade e extremamente magra, correndo, pulando obstáculos e liderando uma multidão de supostos terroristas”.

Jaime López.

-Foi risível ver uma recriação da machi, aos 56 anos de idade e extremamente magra, correndo, pulando obstáculos e liderando uma multidão de supostos terroristas. Não demos muita atenção a essa recreação, mas sim a um desenho que a PDI também fez e que foi fundamental para questionar as provas da Procuradoria, diz o advogado Jaime Lopez, que mais uma vez assumiu a defesa da machi, desta vez junto com seu colega Renato Gonzalez.

A peça gráfica a que López se refere foi importante porque estabeleceu que a machi tinha que percorrer entre oito e dez quilômetros (a distância entre sua casa e a do casal falecido) em sete minutos. Também mostrou que a última evidência coletada pela Sipolcar na madrugada de 4 de janeiro de 2013 estava a mais de um quilômetro da propriedade da acusada, pouco antes de uma ravina.

Estas revelações mais uma vez geravam dúvidas sobre a justificativa da invasão à casa da machi, que ocorreu quatro anos antes. Além disso, neste novo julgamento, o sargento de carabineiros Marco Gaete Truan, depôs que em janeiro de 2013 estava trabalhando para a Sipolcar.

De fato, Gaete tinha participado da coleta de provas que apontavam para a machi no primeiro julgamento, e suas palavras alimentaram o sentimento entre os advogados dos réus de que Francisca Linconao foi vítima de uma incriminação na época.

Perguntado sobre a suposta testemunha que ele entrevistou na madrugada de 4 de janeiro, Gaete disse que, apesar de ser obrigado por lei, ele não o levou a uma delegacia de polícia quando se recusou a dar seu nome porque, em suas palavras, ele estava fornecendo informações de interesse para a investigação. Quando perguntado por detalhes sobre a aparência da testemunha, ele se limitou a responder que tinha entre 30 e 40 anos de idade, com cabelos pretos, contextura normal e roupas pretas. “Era de noite e não dava para ver muito”, acrescentou.

Nossa interpretação disso é simples: a testemunha nunca existiu- diz Lopez. 

Neste julgamento, a acusação também uso como prova os supostos panfletos que encontraram na ruca da machi. Embora tivessem apresentado 114 na acusação, quando Gaete – que também tinha estado presente na invasão – os contou na frente da audiência apareceram 122. A acusação não foi capaz de explicar a discrepância entre os números. No dia seguinte, a defesa da machi mostrou que a imagem em alguns desses panfletos também aparecia na página da Wikipédia dedicada ao “conflito mapuche”.

Para a defesa, a acusação estava tentando implicar a machi em um dos crimes mais terríveis já cometidos na área. E estava falhando em prová-lo completamente.

Para o primeiro julgamento, a defesa da machi já tinha mencionado que as acusações eram uma armadilha. Agora, à luz das novas pistas, eles o diziam abertamente: os carabineiros plantaram provas para acusar Francisca Linconao de crimes que ela não cometeu. Para a defesa, a acusação estava tentando implicar a machi em um dos crimes mais terríveis já cometidos na área. E estava falhando em prová-lo completamente.

A machi Linconao também o disse publicamente. Em uma entrevista em 2016, ela disse que “há perseguição aqui e que os Taladriz e todas as pessoas ricas aqui estão por trás disso. Eles ficaram afetados quando eu ganhei aquele processo na Suprema Corte para proteger os lawen (remédios naturais) do huincul (morro). Mais tarde recuperei aquela terra em Conadi e eles nos deram aplicabilidade. Hoje eles estão todos contra mim”. Nessa entrevista ela revelou dois detalhes inéditos: que sua irmã Juana tinha trabalhado por mais de meio século como funcionária na casa do casal falecido e que ela tinha convidado Werner Luchsinger para a cerimônia que ela realizou quando assumiu o cargo de machi. Na corte, ela acrescentava que o próprio Luchsinger esteve presente a uma Ñeicurrewen, uma cerimônia íntima, apenas por convite, onde uma machi renova sua energia.

O veredicto foi proferido em 25 de outubro de 2017. Os 11 réus, incluindo a machi Linconao,   foram absolvidos por falta de provas. O tribunal de Temuco concluiu que “as provas de acusação fornecidas foram insuficientes para formar a convicção, por sua vez, nestes Juízes a respeito da participação que correspondeu aos acusados” no ataque incendiário.

Para este fim, os juízes determinaram que “a única fonte de informação da qual derivam todas as outras provas de imputação, com respeito à participação dos réus, é constituída pelos dois depoimentos feitos por José Peralino Huinca durante a fase de investigação. Entretanto, a declaração de 8 de novembro de 2013, na opinião destes sentenciadores, sofre de defeitos ilegais que impedem que lhe seja concedido mérito probatório”.

Foi a segunda absolvição da machi neste caso.Entretanto, os autores do caso – a Procuradoria e a família Luchsinger – recorreram da sentença, o julgamento foi anulado e teve que ser repetido com as mesmas provas no ano seguinte. Os Luchsingers foram ao Tribunal de Apelação porque, embora mantivessem relações com a machi, a absolvição incluiu todos os réus e eles não estavam satisfeitos com a decisão. “Houve falhas e contradições na decisão“, disse Jorge Luchsinger Mackay, que representou sua família, quando a anulação do julgamento foi confirmada.

Embora não tenha sido um problema criminal, mas um problema civil, o oficial explicou aos juízes, desde então a machi tem sido o foco da atenção da instituição.

Sargento Gaete, Serviço de inteligência dos carabineiros

Para a defesa da machi, o último julgamento não teve grandes mudanças. A maior novidade foi que o sargento Gaete, membro do serviço de inteligência dos carabineiros, testemunhou pela segunda vez e corroborou que Francisca Linconao tinha sido objeto de interesse policial desde que obteve a proteção do morro Rahue em 2009. Embora não tenha sido um problema criminal, mas um problema civil, o oficial explicou aos juízes, desde então a machi tem sido o foco da atenção da instituição.

Essa foi, para os defensores López e González, a frase que acabou confirmando suas intuições.

O julgamento foi finalmente encerrado em junho de 2018. A machi foi absolvida da acusação pela terceira vez. A Procuradoria não conseguiu provar que o ataque tinha sido orquestrado na casa de Francisca Linconao, sendo a sentença limitada a afirmar que houve uma reunião às dez horas da noite do dia 3 de janeiro de 2013 em um local indeterminado em que os três condenados neste processo (José Peralino Huinca, Luis Tralcal Quidel e José Tralcal Coche) participaram. Mas não ela.

-Não havia pistas em minha casa, eu não tinha armas, não houve reunião. Eu nunca tive nada a ver com a morte da família Luchsinger Mackay e provei três vezes, diz Francisca Linconao, que após sua terceira absolvição apresentou uma demanda contra o Estado chileno perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Essa foi a última vez que Francisca Linconao pisou em um tribunal como ré. Entretanto, os estilhaços deste processo continuam afetando-a. Quando ela foi ao seu posto de votação em 25 de outubro de 2020 para participar do plebiscito que procurava aprovar ou rejeitar a elaboração de uma nova Constituição no Chile, foi-lhe dito que ela não era elegível para votar. 

Mais de um mês depois, ela teve uma reunião via Zoom com o presidente do Serviço Eleitoral, Patricio Santamaría, que lhe explicou que não foi culpa desta instituição, mas dos tribunais que nunca o informaram de sua absolvição no caso Luchsinger-Mackay. É por isso que ele não estava nas listas eleitorais.

“Quando fui acusada, eu estava em todas as manchetes, porque para os processos e as acusações eles são bons. Eles correm agem rapidamente, mas agora nada”.

Francisca Linconao.

A reflexão de Francisca Linconao sobre esta “injustiça”, como o próprio Santamaría e a machi a descreveram, poderia ser interpretada como um retrato dos últimos 13 anos de sua vida.

-Como ninguém informou que eu fui absolvida dois ou três anos após o julgamento? Quando fui acusada, eu estava em todas as manchetes, porque para os processos e as acusações eles são bons. Eles correm agem rapidamente, mas agora nada. Estão acostumados a não ligar para o mapuche. E muitos também estão acostumados a não reclamar, porque depois que eu ousei fazê-lo, outros réus também não puderam votar. E o que acontece se eu me calar? Nada. Tudo permaneceria o mesmo.

 * Em janeiro de 2021, a machi Francisca Linconao anunciou sua candidatura à convenção constituinte, o órgão político composto por membros eleitos democraticamente que será responsável pela elaboração da nova constituição do Chile. Esta matéria foi relatada e escrita antes dessa data.

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