As governadoras siona e seu território sendo disputado

Na fronteira entre a Colômbia e o Equador, a mais de duas horas a jusante de Puerto Asis, no Putumayo, duas mulheres siona – Milena Payoguaje e Martha Liliana Piaguaje – governam territórios indígenas em meio a uma das áreas mais disputadas da Colômbia, há uma empresa que está querendo extrair petróleo e alguns explosivos sísmicos que ainda não se sabe se se vão ser detonados.

A água chega à canela, a cerca de dez centímetros da borda da bota de borracha. As calças impermeáveis já estão molhadas. No cinto, ele carrega o facão (machete) e um estojo para guardar objetos essenciais. A governadora do abrigo Santa Cruz de Piñuña Blanco, Martha Liliana Piaguaje, carrega seu bastão pendurado no peito enquanto grava com a câmera do seu celular um dos pontos onde a empresa Amerisur Resources (recentemente vendida à chilena Geopark) instalou cargas de explosivos da marca sismigel para fazer estudos sísmicos. 

Esta foto foi tirada no início de outubro de 2019, quando Liliana e sua guarda indígena chegaram até os limites do seu abrigo com representantes da Amerisur e do Ministério do Interior, funcionários da Corpoamazonia e órgãos de controle local, para dizer a eles que nunca deviam ter enterrado esse material lá. A empresa garante que as cargas estão localizadas fora do território indígena siona, mas Liliana e seus colegas dizem terem provas para demonstrar que estão dentro dos limites do abrigo, a duas horas a jusante de Puerto Asis, na margem colombiana do rio Putumayo.

Milena Payoguaje, governadora da área do Baixo Santa Elena, olha para o Rio Putumayo. A maioria dos membros do seu povo, os siona, mora nas margens destas águas que, neste ponto, são a fronteira natural entre a Colômbia e o Equador. Foto: César Rojas Ángel.

“Somos originários do Putumayo, não viemos de nenhum outro lugar, nossos avós são família, temos raízes dos tucanos, somos descendentes deles, também dos siona secoya do Equador”, diz Martha Liliana Piaguaje ao descrever seu povo. No Putumayo, uma das portas de entrada para a Amazônia colombiana, existem 12 comunidades siona. Santa Cruz de Piñuña Blanco é um dos seis abrigos legalmente constituídos no departamento.

Martha Liliana Piaguaje não usa o seu primeiro nome. Em seu abrigo quase todos a chamam de Liliana e ela é uma das lideranças desta comunidade indígena no Putumayo, no sul da Colômbia. Trinta minutos rio acima, em direção a Puerto Asís, mora Milena Payoguaje, governadora da área de Baixo Santa Elena, a primeira mulher a governar esta comunidade e uma liderança que, até hoje, não teve contato direto com os avanços das indústrias extrativistas, mas que conhece os riscos de defender o território tanto quanto Liliana. As duas têm sofrido com o conflito, vêem de perto as plantações de coca que buscam expandir suas fronteiras, estão também conscientes de que o rio, que é a entrada de suas comunidades, é um dos corredores do tráfico de drogas mais disputados do país e tanto Milena quanto Liliana já foram ameaçadas por diferentes atores que pretendem controlar esses territórios. 

Nestas duas comunidades, bem como em outras organizações indígenas da região e de toda a Colômbia, as mulheres são protagonistas da defesa do território e de seus direitos coletivos, em meio a um entorno hostil.

Em 22 de agosto de 2019, o Tribunal Administrativo de Cundinamarca decidiu a favor da comunidade do abrigo Santa Cruz de Piñuña Blanco. O juiz ordenou à Amerisur que suspendesse os estudos sísmicos, instou as partes a constituírem uma mesa de conciliação para resolver a disputa e solicitou à Agência Nacional de Terras (ANT) que realizasse uma visita para determinar os limites geográficos do abrigo, para assim esclarecer se as cargas de sismigel estavam localizadas dentro ou fora do território indígena.

A última reunião dessa mesa de conciliação -um meio para fazer acompanhamento ao cumprimento da sentença- foi realizada em 6 de dezembro. Desde então, a comunidade de Santa Cruz de Piñuña Blanco não teve mais contato com a Amerisur Colombia, filial colombiana da empresa britânica Amerisur. Naqueles dias já se ouviam boatos de que a empresa ia ser vendida. A venda veio à tona em 16 de janeiro. A empresa chilena GeoPark, que além de em sua matriz, tem operações no Peru, Equador, Argentina e Brasil, comprou a Amerisur por 314 milhões de dólares. Com esta operação, a GeoPark adquiriu os 13 blocos que a empresa britânica possuía na Colômbia, 12 deles no Putumayo. 

Em dezembro, quando a venda parecia iminente, o abrigo Buenavista, o maior do povo siona no departamento do Putumayo e também o que mais se enfrenta aos avanços da petroleira, antecipou: “Avisamos à multinacional @GeoParkEmpresa, possível compradora da @AmerisurResourc, que NÃO permitiremos atividades extrativistas e que, ao adquirir os referidos ativos, adquire suas responsabilidades pela violação dos direitos humanos e dos direitos do nosso território”.

As tensões entre a petroleira e o povo siona começaram em 2013, quando foi dado o primeiro passo para um processo de consulta prévia. Em uma pesquisa publicada no final de fevereiro de 2020, a organização ambiental Ambiente y Sociedad afirmou que a Amerisur tinha iniciado separadamente processos de consulta prévia com as comunidades de Buenavista, Bajo Santa Elena e Santa Cruz de Piñuña Blanco. O abrigo de Buenavista rejeitou qualquer intervenção, mas as outras duas comunidades assinaram acordos em 2014. Hoje, Liliana, governadora de Santa Cruz de Piñuña Blanco, diz que não tinha informações suficientes e que o fato de terem feito essa consulta separadamente foi para dividir o povo siona e que, de qualquer forma, a área onde instalaram os explosivos para os estudos sísmicos não era a que tinha sido decidida previamente.

Martha Liliana Piaguaje tem 35 anos e é governadora do abrigo Santa Cruz de Piñuña Blanco desde 2017. Foto: César Rojas Ángel.

Por isso, para ela, a sentença a seu favor, que foi decidida em agosto, foi uma pequena vitória em meio a uma longa disputa entre a empresa petrolífera e o povo siona. Porém, a comemoração foi curta. A Agência Nacional de Terras (ANT) atendeu a ordem da Corte para delimitar o território e já emitiu seu conceito: “as cargas de sismigel estão fora do Abrigo Indígena Siona Santa Cruz de Piñuña Blanco”. A comunidade interpreta que isso poderia permitir que a empresa petrolífera continue com a exploração. Liliana Piaguaje e sua comunidade não sabem o que está por vir nesse processo. A possibilidade de o projeto petrolífero avançar se soma a outras preocupações latentes, tais como que ocupem um território historicamente afetado pelo conflito, disputado por diferentes atores armados à margem da lei e cheio de plantações ilícitas. 

O Putumayo é o terceiro maior departamento do país com mais hectares plantados com coca, de acordo com o relatório de 2018 do Sistema Integrado de Monitoramento das Plantações Ilícitas do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime. Esses 26.408 hectares equivalem a 16% do total de plantações realizadas no país. Além disso, 10% das plantações de coca do país está localizado nos abrigos indígenas. Quanto às ameaças que tudo isso implica, o relatório é bem claro: “Uma maior presença das plantações de coca está diretamente relacionada ao deslocamento forçado interno, com os efeitos das forças públicas (assassinados ou feridos), bem como com atos terroristas, atentados, lutas e intimidações realizados em nível municipal”.

E isso não para por aí: Liliana tem que lidar com sua própria situação de segurança. Devido a sua condição de liderança, em agosto de 2018, a Unidade Nacional de Proteção do governo criou para ela um esquema de segurança com duas escoltas, uma caminhonete blindada e um telefone celular com minutos. Esse esquema foi aplicado até um ano depois de sua nomeação como governadora, agora, ela é acompanhada unicamente à área urbana de Puerto Asís. 

No entanto, as ameaças, que são transmitidas de boca em boca ou por uma nota anônima, já chegaram até em seu abrigo, onde não chegam nem as caminhonetes nem a cobertura do celular.

Os índios siona, um povo em perigo

Somos pessoas de yagé”, diz Liliana, “bebemos muito yoko, também nos purgamos com tabaco, que faz parte das crenças dos mais velhos, e nós, como jovens, também estamos levando essas crenças aos nossos filhos, para que eles não continuem se perdendo”.

Em Santa Cruz de Piñuña Blanco moram aproximadamente 40 famílias, quase 200 pessoas, que ficaram aqui apesar de vários anos de violência e isolamento. “Somos 105 famílias segundo o censo geral”, diz Liliana, embora ela esclareça rapidamente que esse número inclui as famílias que foram deslocadas porque, como ela diz, “saíram para melhorar sua qualidade de vida e moram nos centros urbanos”.

Os siona usam o tabaco para se purgar, mas ele também é um elemento fundamental em suas cerimônias. Aqui, no caminho a uma lagoa sagrada, próxima ao seu território, dizem que o tabaco ajuda a afastar os espíritos maus. Foto: César Rojas Ángel.

Durante várias décadas, o povo siona viveu em uma área de fogo cruzado. Os indígenas estão localizados nos dois lados do rio Putumayo, um território que é tanto colombiano quanto equatoriano e eles já viram passar por lá grupos paramilitares, guerrilheiros e Forças Públicas. 

Alguns deles, bem como acontece com os habitantes da área do Baixo Santa Elena, carregam com cicatrizes bem mais fortes. Em 2011, antes do início do processo de paz, membros desmobilizados das então Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) informaram que tinham instalado minas antipessoais nas proximidades deste território. A Campanha Colombiana contra as Minas já tirou as minas de uma área, mas há um novo campo que ainda deve ser revisado. A comunidade está procedendo simultaneamente com o Ministério do Interior para que sua área possa se tornar um abrigo. Milena diz que, se viram um abrigo, poderiam ter acesso a orçamentos coletivos étnicos controlados pelo governo central.

A governadora considera que, com esse reconhecimento estatal, a comunidade poderia contar com melhores ferramentas para fazer frente às pessoas que, sem nenhum escrúpulo, destroem os bosques, expandem a fronteira agrícola ou aumentam os hectares de plantações ilícitas como a coca. A final de contas, 13.903 hectares de bosque foram derrubados entre 2017 e 2018 no Putumayo, o quarto departamento com mais desmatamento no país, segundo o relatório anual de desmatamento do Instituto de Hidrologia, Meteorologia e Estudos Ambientais (IDEAM).

Enquanto isso, Milena e Liliana sempre defenderam sua neutralidade e, estando sempre desarmadas, fizeram tudo o possível para impedir a entrada de qualquer um desses atores em seu território.

“Ameaças? Todas”, diz a governadora de Piñuña Blanco. Nem ela nem a Guarda Indígena podem fazer os percursos de monitoramento que costumavam fazer nas áreas mais longínquas do seu próprio abrigo. “Se vocês vierem aqui, vão sair mortos, caso puderem sair”, Liliana diz que lhe contou um colono, um dos muitos fazendeiros que se estabeleceram perto do abrigo para derrubar árvores no bosque, plantar folhas de coca ou para explorar as terras férteis da Amazônia. Liliana prefere não falar sobre isso, pois ela não sabe se contar as ameaças é mais arriscado do que mantê-las em silêncio e, simplesmente, reconhece que ela e seus companheiros estão em perigo.

A maioria desses indígenas mora nas margens do Rio Putumayo e tira de suas águas ou de seus afluentes o que eles precisam para viver. O Putumayo é também seu principal meio de transporte mas, nos últimos meses, o trânsito no rio tem sido proibido das 18h às 6h. Essa é uma regra tácita que ninguém sabe realmente de onde vem, mas que, mesmo assim, eles preferem cumprir. Foto: César Rojas Ángel.

Pode-se chegar a esta comunidade somente através do rio. Uma lancha que sai de Puerto Asis todas as manhãs demora cerca de duas horas e meia para chegar às margens de Piñuña Blanco. Nesta área do departamento, o rio Putumayo é amplo e caudaloso, mas não tem corredeiras ou curvas abruptas. Ele serpenteia pela floresta que vai ficando mais espessa à medida que se afasta de Puerto Asís. Poucos minutos depois de sair do pequeno cais desse município, não há mais postes de luz e, quase ao mesmo tempo, o celular perde cobertura. Apenas uma hora depois, aparece um povoado novamente, na margem esquerda do rio, e uma placa de três ou quatro metros de largura:  que diz o seguinte: “Abrigo Buenavista”, o maior do povo siona no departamento. 

Os indígenas siona de Buenavista também não gostam muito da GeoPark. A empresa tem dois blocos de petróleo concedidos pela Agência Nacional de Hidrocarbonetos (ANH), mas nos quais ainda não tem direitos de exploração. Eles estão localizados fora dos limites do abrigo, mas em uma área que os indígenas estão reivindicando desde 2018 como parte de seu território ancestral. Eles chegaram, até mesmo, a pedir no Primeiro Juizado Cível do Circuito Especializado em Restituição de Terras, que está estudando os casos de desapropriação de terras por conta do conflito armado, que reivindique seu direito a 58.000 hectares e solicitou medidas cautelares para essas terras. O juizado concedeu as medidas cautelares, de modo que, em 21 de agosto de 2018, ordenou à empresa a suspensão de suas atividades na área até que seja definida a propriedade desse território.

Apesar de precisar percorrer uma hora em rio de Buenavista e cerca de 30 km de distância para chegar ao seu abrigo, Liliana diz que já recebeu lá mensagens para parar de se opor às intenções da companhia petrolífera, nas quais lhe disseram que “evitasse problemas”. 

O histórico de ameaças e medidas cautelares de proteção é longo. Na sentença 004 de 2009, a Corte Constitucional incluiu os siona na lista dos 34 povos indígenas mais ameaçados no país devido ao conflito e ao deslocamento forçado. Nove anos depois, os abrigos Buenavista e Santa Cruz de Piñuña Blanco foram protegidos pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) com medidas cautelares para proteger a integridade de suas vidas e seus territórios. A Comissão pediu ao Estado colombiano, entre outras solicitações, que adote medidas para que as comunidades desses abrigos “possam viver de forma segura em seu território, sem serem vítimas de violência, ameaças e intimidações”. Ambas as comunidades reclamam que o Estado colombiano não cumpriu com essas obrigações e que vêem que os fatores de risco estão se diversificando.

“Várias vezes tive que dizer para eles [EXÉRCITO] irem embora. Então, eles dizem que estamos acobertando outros grupos, que somos nós os que os apoiamos e essa acusação se repete de muitas maneiras.”

Milena Payoguaje

“Aqui chegou o Exército e aqui nem o Exército nem grupo nenhum pode entrar”, diz Milena Payoguaje, da área de Santa Elena. “Várias vezes tive que dizer para eles irem embora. Então, eles dizem que estamos acobertando outros grupos, que somos nós os que os apoiamos e essa acusação se repete de muitas maneiras. A governadora diz aos ex-guerrilheiros dissidentes das FARC que eles se afastaram do acordo de paz e mantiveram suas armas, que não podem estar em seu território e eles dizem que ela está do lado do Exército. E se ela rejeita a presença de um ator armado ilegal, como a chamada “A Máfia”, corre o risco de ser associada a um de seus inimigos. Há anos as lideranças indígenas insistem em não tomar partido e, por isso, apoiam a expulsão de qualquer ator armado do seu território e isto não é bem visto por nenhuma das partes. 

Milena Payoguaje governa na área siona chamada de Baixo Santa Elena, localizada a uma hora e meia a jusante de Puerto Asís, no departamento do Putumayo. Perto de seu território, há campos minados que ainda não foram desmontados. Foto: César Rojas Ángel.

Governadoras no fogo cruzado

Em 26 de setembro de 2019, a Ouvidoria do Povo emitiu um alerta precoce para destacar a situação de risco que está ocorrendo na região de Piñuña Blanco onde, além do abrigo que governa Liliana, existem outras veredas e pequenos povoados.

A entidade estatal que monitora o cumprimento dos direitos humanos na Colômbia relata oito episódios de violência entre julho e setembro de 2019. Um deles ocorreu quando um desses grupos – que insiste em ser chamado como parte das Farc – chegou em 28 de julho na vereda de Pueblo Bello. Disseram à comunidade que planejavam ficar e, à tarde, em uma vereda vizinha, enfrentaram o grupo chamado “A Máfia”, um grupo formado por ex-paramilitares. Um camponês foi ferido e teve que ser levado a um hospital no centro de Puerto Asis. Entre 29 de julho e 2 de agosto não houve aulas nestas veredas. Os moradores se refugiaram na escola e no centro de saúde, as únicas estruturas de concreto que existem nesse lugar.

Liliana lembra que episódios semelhantes foram vividos no abrigo durante a década de 2000. O exército e a guerrilha lutavam a poucos metros de suas casas e a comunidade tinha que se proteger atrás das paredes da estrutura mais sólida. Por isso muitos foram embora.

“Os contínuos deslocamentos individuais também têm gerado riscos para as pessoas que vêm exercendo alguma liderança nas comunidades de camponeses, de indígenas e de afrodescendentes, pois qualquer ação violenta contra elas necessariamente gera um impacto direto na autonomia territorial das comunidades e em seus mecanismos de autoproteção e resistência quando ocorrem disputas armadas entre os dissidentes das FARC-EP e A Máfia“, diz a Ouvidoria do Povo.

Entre suas recomendações, a Ouvidoria pediu ao Exército – em consonância com as solicitações feitas, por vários anos, pela Corte Constitucional – que “aplicasse plenamente os princípios do DIH” e que “avalie” a melhor ação para a “proteção efetiva de seus habitantes”. A entidade de controle também destacou que os operativos devem “conter medidas concretas para a redução dos riscos que possam surgir como reação à presença das Forças Públicas”.

Além disso, a Ouvidoria solicitou ações urgentes do Governo Nacional, da Governação do Putumayo, da Prefeitura de Puerto Asís e da Procuradoria Geral. Porém, o risco ainda continua por lá. “As entidades de controle até hoje não fizeram nada”, diz a governadora Liliana. 

A escola da Área do Baixo Santa Elena se chama Zio Bain que, na língua siona, significa “Pessoas de Chácaras” ou “Pessoas do Campo”. Apesar de estar localizada a mais de 100 metros da margem do rio, durante a última cheia do rio Putumayo, as salas de aula se inundaram. Agora, a comunidade está procurando recursos para deslocar a instituição para uma área mais segura. Foto: César Rojas Ángel.

“A recomendação é não se aproximar de lá até que melhore a situação”, diz Amanda Camilo, uma respeitada liderança das vítimas que, hoje, também é coordenadora territorial no Putumayo e no sul do Huila da Comissão para o Esclarecimento da Verdade, entidade estatal criada junto com o acordo de paz para reconstruir o que aconteceu no país durante 52 anos de guerra. Amanda, que trabalha no centro urbano de Puerto Asís, não conseguiu chegar com sua equipe até o abrigo Santa Cruz de Piñuña Blanco para entrevistar os moradores e esclarecer a verdade do que aconteceu com os siona.

“A recomendação é não se aproximar de lá até que melhore a situação”

Amanda Camilo, líder de víctimas

Esta ativista conhece diferentes processos de defesa do território, da água e da fauna liderados por mulheres no Putumayo. Ela sabe que, para limitar suas ações, alguns atores dirigem suas ameaças a suas famílias e filhos e, em muitos lugares, desabonam seus argumentos somente por elas serem mulheres. “Infelizmente, há lideranças mulheres muito fortes no Putumayo, mas as mulheres são estigmatizadas, porque ainda prevalece muito o conceito da cultura patriarcal, na qual as negociações não devem ser com as mulheres, mas sim entre homens”, diz Amanda.

Ela também trabalhou por vários anos com a Rota Pacífica das Mulheres e é uma das fundadoras da denominada Aliança de Mulheres Tecedoras de Vida do Putumayo, uma organização que apoiou Liliana Piaguaje e o povo siona de Piñuña Blanco no processo de proteção, cujo resultado foi uma sentença a seu favor em agosto. 

Amanda, em particular, sabe o que os indígenas siona têm enfrentado. “Eles são um povo que historicamente tem sido afetado e tem perdido sua integridade e sua condição de povo originário da Amazônia”, diz a liderança. “Eles se mantiveram entre Puerto Asís e Puerto Leguízamo e, toda vez que aparece o boom das economias extrativistas, incluindo a exploração de petróleo, eles perdem um pouco de sua idiossincrasia e sua comunidade é afetada por isso. Eles tiveram que abandonar sua área e perderam muito do que significa viver uma vida harmoniosa no território”. 

Os siona e seu território ancestral

Liliana Piaguaje explica, enquanto aponta sucessivamente para sua coroa, sua barriga e o chão, que “no meio ambiente, temos nosso ser, a barriga dos nossos filhos, e a vida, que está na terra, é o que nos dá força para continuar nesta luta em defesa do território”.

Essa defesa do território está em suas conversas diárias. Liliana lembra, sem muito esforço, das excursões de reconhecimento que faz no abrigo, quando conversa com seus vizinhos, ela luta pela terra em todas as assembleias, aí os mais jovens recebem informação sobre essa luta e, em muitas ocasiões, é assunto de conversa com o marido dela, Manuel Carlosama, presidente de todo o povo siona no departamento. Quando tomam o remédio, como muitas pessoas no sul da Colômbia chamam o “yagé”, elas pedem conselhos aos avós – seus ancestros e guias espirituais – para os orientar nessa luta. 

No entanto, agora há alguns explosivos enterrados em um de seus cananguchales, um complexo ecossistema inundável, dominado por umas palmeiras cujas raízes saem da superfície e, para os siona, são fonte de vida e conexão com a terra. Quando você ouve falar Manuel sobre essas cargas de sismigel, dá para sentir angústia na voz dele. Ele e a governadora não estão certos sobre qual será a próxima ação da GeoPark. “Agora estamos no último passo, no final, pode-se dizer que estamos no momento no qual o juiz ordena uma mesa de conciliação entre as partes, entre a empresa e a comunidade”, explica Liliana. Já foram feitas três reuniões. Na última, em 6 de dezembro, a ANT concluiu que a empresa petrolífera estava agindo fora do território dos indígenas siona. 

Como a venda foi feita recentemente, a GeoPark diz que está estudando seus processos e que ainda não quer se reunir pessoalmente com jornalistas. Apesar de termos várias semanas tentando, não foi possível marcar uma entrevista. 

“A GeoPark entrou em uma fase de avaliação e compreensão de todos os processos e dos detalhes operacionais no local. “Assim que tenhamos todas as informações necessárias, elaboraremos um plano de ação que vamos compartilhar com nosso público”, escreveu em um e-mail que nos enviou no dia 23 de janeiro, em resposta a um pedido de entrevista.

Oito dias depois, sua coordenadora de conexões, María Camila Casallas, escreveu de novo para nós. “Em 22 de agosto de 2019, o Tribunal Administrativo de Cundinamarca emitiu uma sentença na qual ordenou a criação de uma mesa de conciliação para consulta e cumprimento presidida pelo Ministério do Interior e constituída por delegados da Agência Nacional de Terras (ANT), da Ouvidoria do Povo, da Procuradoria Encarregada dos Assuntos Étnicos, da Corpoamazonia, dois delegados do abrigo indígena que tenham sido eleitos pela comunidade e representantes da empresa. Desde essa data, o projeto de aquisição de sismigel foi suspenso preventivamente até terem sido estabelecidos acordos nessa mesa de conciliação“, disse ela.

No entanto, a empresa não informou a comunidade sobre isso. Dias antes desse último e-mail, esta era a história que a Governadora Liliana conhecia: “A empresa nos diz que eles têm um cronograma pronto para chegar a detonar as cargas de sismigel que enterraram e, justamente agora, estamos muito preocupados porque o fato de eles virem detonar isso geraria um grande prejuízo em nosso território, porque toda a fauna e flora que está nesse local desapareceria.

“estamos muito preocupados porque o fato de eles virem detonar isso geraria um grande prejuízo em nosso território, porque toda a fauna e flora que está nesse local desapareceria”

Gobernadora Liliana

Na foto, que foi tirada por um dos membros da Guarda Indígena do abrigo no início de outubro, a quase quatro horas a pé do centro povoado do abrigo Santa Cruz de Piñuña Blanco, sai do cananguchar um galho de uma árvore com uma placa feita à mão que diz o seguinte “STK 1241”. Estas são as siglas que marcam os pontos onde os sensores estão instalados para, depois da detonação, poder determinar se tem petróleo no subsolo. Além disso, em cima de cartazes vermelhos, há outras placas feitas também à mão que dizem “SP”, marcando os pontos de detonação das cargas. Alguns galhos que contêm placas estão quebrados e outros não são mais legíveis. 

As cargas estão enterradas a cerca de dez metros de profundidade e ninguém se sente tranquilo com elas lá.

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