Aqueles que defendem a Serra Tarahumara, uma das áreas florestais mais importantes do México, enfrentam o tráfico de drogas, caciques locais, a imposição de projetos extrativistas e a indiferença do governo. Estes defensores são, em sua maioria, indígenas cuja identidade foi forjada entre montanhas, ravinas, pinheiros e nascentes. Sem esse território, dizem eles, eles não são nada. É por isso que eles o protegem. É por isso que eles se recusam a permitir que suas florestas sejam derrubadas e suas nascentes sequem. É por isso que eles enfrentam aqueles que procuram cortar suas raízes.
Quando alguém da família morre, os indígenas rarámuri de Coloradas de la Virgen têm uma tradição: oito dias depois eles bebem tesgüino, uma bebida tradicional de milho fermentado, reúnem as coisas que o falecido gostava, o que plantava, tudo o que o identificava, e dão a ele de forma simbólica. Eles falam com ele e o aconselham. Dizem-lhe para não voltar, que ele já está com as pessoas que morreram. Que ele deve ficar lá. Que ele deve descansar.
—Isso tem que ser feito três vezes se for um homem. Se for uma mulher, é feito quatro vezes — explica um médico tradicional rarámuri, defensor das florestas de seu território e amigo de Julián Carrillo Martínez, também rarámuri, que foi morto em 24 de outubro de 2018 em Coloradas de la Virgen, uma comunidade da Serra Tarahumara localizada no estado mexicano de Chihuahua.
Julián foi morto e, no dia seguinte, sua família deixou Coloradas de la Virgen. Os assassinos poderiam voltar para matá-los também. Eles deixaram sua casa, seus pertences e seus animais. Eles não os deixaram realizar seus costumes: Julián não teve um adeus, como dita a tradição de sua comunidade.
“Ele sabia que eles queriam matá-lo”, diz em rarámuri María, esposa de Julián. O médico tradicional traduz suas palavras para o espanhol: Ele disse que quando algo acontecesse com ele, não abandonássemos a casa. Se partíssemos, não poderíamos voltar para a terra. Mas tivemos que partir.
Maria sofreu a morte de sua família. Em fevereiro de 2016, seu filho, Víctor Carrillo, foi assassinado. Em dezembro daquele ano, a sua casa foi incendiada. Em 2017 dois de seus sobrinhos foram mortos, e em julho de 2018 seu genro. E agora ela também está sem Julián, longe de sua casa e deslocada com seus quatro filhos, duas noras e quatro netos em uma cidade do norte do país. As ameaças contra a comunidade de Coloradas de la Virgen – incluindo Julián e sua família – já acontecem há anos. Elas aumentaram ainda mais quando o povo indígena começou uma luta legal para impedir o corte de árvores que cresciam no território onde moraram seus pais, avós e pais de seus avós.
Quando ele foi morto, Julián era o presidente de bens comuns. Seu papel era cuidar de tudo que pertencesse à comunidade: árvores, água e território.Semanas antes de seu assassinato, ele soube que o governo mexicano havia outorgado concessões de mineração em Coloradas de la Virgen. Uma dessas concessões foi concedida a Mario Humberto Ayub Touche, um importante empresário de Chihuahua, e a dois filhos de Artemio Fontes Lugo, um cacique local que já muito tinha sido denunciado pelos próprios indígenas como responsável pelo corte de sua floresta, por fazer parte de grupos de tráfico de drogas na região, e pela desapropriação de seu território. Julián foi assassinado logo após ele e seus camaradas na defesa das florestas de Coloradas de la Virgen terem começado a denunciar a existência de concessões de mineração para exploração e exploração mineiros em sua comunidade. Coloradas de la Virgen é apenas uma das várias comunidades da Serra Tarahumara defendendo seus recursos naturais e território de caciques locais, concessões de mineração, projetos turísticos, exploração madeireira ilegal e tráfico de drogas.
Defesa de um território ancestral
No sul do estado de Chihuahua e da Serra Tarahumara, no município de Guadalupe e Calvo, está Coloradas de la Virgen: um território de mais de 49.500 hectares compartilhado pelos indígenas rarámuri e, em menor extensão, ódami, que vivem dispersos em cerca de 50 pequenos barracos. Foi nessa terra que nasceu Julián. Ele e seus companheiros na defesa da floresta herdaram uma luta que seus pais iniciaram anos atrás. Desde 1934, os indígenas de Coloradas de la Virgen vêm exigindo, sem sucesso, o reconhecimento de seu território. Em 1953, quando vários dos primeiros povos indígenas que pressionaram pelo reconhecimento de suas terras já tinham morrido, o governo mexicano registrou a parte mais florestada como um ejido (uma propriedade rural de uso coletivo). O resto, especialmente a zona da ravina, ficou como uma comunidade agrária.
“E depois eles não quiseram partir. Eles começaram a plantar papoula e maconha e a derrubar árvores”.
Em 1992, foi realizada uma assembleia para purgar a lista das pessoas pertencentes ao ejido, já que muitos tinham morrido. Julián e outros moradores de Coloradas denunciaram várias irregularidades durante aquela assembleia: os acordos foram assinados com assinaturas e “impressões digitais” de indígenas que já estavam mortos naquela época. E 78 novos membros do ejido foram incluídos, a maioria deles não indígenas, entre eles Artemio Fontes Lugo, membros de sua família e trabalhadores. Artemio Fontes Lugo se estabeleceu em Coloradas de la Virgen na década de 1970. “Ele chegou com sua família” contam os idosos da comunidade, “as pessoas daquela época o deixaram ficar”… “E depois eles não quiseram partir. Eles começaram a plantar papoula e maconha e a derrubar árvores”. Os indígenas denunciaram os abusos da família Fontes, mas isso pouco importou para as autoridades ambientais mexicanas que, em abril de 2007, concederam ao ejido – sob o controle de Artemio Fontes Lugo – licenças de exploração florestal para explorar a floresta Coloradas de la Virgen. Foi então que os povos indígenas rarámuri e ódami, orientados pela organização Aliança Serra Mãe, decidiram empreender uma luta legal para solicitar o cancelamento das licenças de exploração madeireira e para o reconhecimento de seu direito ao território que ocupam há gerações.
Papoulas ao invés de árvores
Chihuahua, na parte norte do México, é o estado com uma das áreas florestais mais importantes do país: 16,5 milhões de hectares, dos quais 7,6 milhões são florestas de coníferas e florestas baixas de folha caduca, ecossistemas concentrados nas montanhas, ravinas e vales que formam Tarahumara. Nas nascentes nesta serra emerge e é capturada grande parte da água que está dispersa pela área semidesértica de Chihuahua e que alimenta muitas das áreas agrícolas de Sinaloa, diz o pesquisador Salvador Anta Fonseca, do Conselho Civil Mexicano para a Silvicultura Sustentável.
É também uma das regiões com mais danos a sua cobertura de árvores. De 2001 a 2017, ela perdeu 19.100 hectares, de acordo com a iniciativa de monitoramento do Global Forest Watch. Os anos em que foram registrados os maiores danos foram 2012 (quase 4.500 hectares) e 2017 (cerca de 2.000 hectares).
Guadalupe e Calvo, onde está localizado Coloradas de la Virgen, é um dos municípios com mais perda de árvores: de 2001 a 2017, foram pelo menos 3.014 hectares, de acordo com dados da Global Forest Watch. Os anos mais críticos foram 2011, 2016 e 2017.
Aqueles que cresceram em Coloradas de la Virgen lembram-se que o desmatamento começou na década de 1980. A partir daí, vieram pessoas de fora da comunidade, escolheram o lugar que gostavam de plantar maconha e papoula, e começaram a cortar. Às vezes, eles ateiam fogo no lugar que destruíram. Mas na maioria das vezes eles pegam a madeira em toras e a vendem em serrarias na cidade de Parral.
O que costumava acontecer apenas em algumas comunidades começou a se espalhar para várias regiões da Tarahumara, especialmente desde 2008, quando o governo federal do então presidente Felipe Calderón lançou o que ele chamou de “guerra” contra o tráfico de drogas. A partir daquele momento, a região montanhosa de Chihuahua tornou-se uma área disputada por diferentes grupos que, além de buscar o controle sobre o cultivo da papoula, também se dedicaram a desapropriar as comunidades de seu território e os recursos naturais.
Em 1996, cinco municípios da região serrana onde se cultivavam drogas foram identificados. Hoje o número é 20, de acordo com o relatório Diagnóstico e Propostas sobre Violência na Serra Tarahumara que a associação civil Consultoria Técnica Comunitária (Contec) publicou em 2018.
O documento também observa que na região de Tarahumara, o cultivo da maconha parou em 2012 – quando seu consumo começou a ser legalizado em algumas partes dos Estados Unidos – mas o cultivo da papoula aumentou.
No México, a área de cultivo de papoula aumentou de 25.200 para 30.600 hectares de 2016 a 2017
No México, a área de cultivo de papoula aumentou de 25.200 para 30.600 hectares de 2016 a 2017, de acordo com o monitoramento conduzido pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e o governo mexicano.
Esse relatório observa que a área conhecida como “Triângulo Dourado”, onde os estados de Sinaloa, Durango e Chihuahua (a parte sul da serra Tarahumara) compartilham território, está entre os principais produtores de papoula do país.
O médico tradicional – que recebeu ameaças e, portanto, pede que seu nome não seja publicado – explica como sua comunidade começou a se ressentir com a perda de sua floresta:
—Antes de começarem o desmatamento todos os anos havia boa água, havia muita neve, havia vida para nós: uma boa colheita, chovia muito, os córregos não secavam. Se a madeira se esgotar, as nascentes no campo secam. Até mesmo os animais selvagens desaparecem. Tudo desaparece. E se há madeira, tudo vive.
Alimentar as nascentes
As mulheres rarámuri se reúnem na escola Bahuinocachi para falar sobre o que elas suportaram nos últimos meses. Para chegar aqui, algumas delas caminharam um pouco mais de meia hora. No caminho, elas passaram pelos restos do que fazia parte de sua floresta. Agora existem apenas galhos e tocos dispersos que ainda se agarram à terra.
Somente as mulheres, com suas cabeças cobertas de lenços e seus corpos envoltos em rebozos (xales), participaram desta reunião. Os homens foram trabalhar no campo ou ficaram em casa. Elas são as que ousam contar, em ordem, sem tirar a palavra uma da outra:
Os primeiros madeireiros chegaram a esta região do município de Bocoyna em fevereiro de 2018. Eles desmatavam durante o dia, mas também à noite. Eles fizeram isso durante meses. De pouca utilidade foram as pedras que foram colocadas nas estradas para bloquear seu caminho ou as reclamações que foram feitas às autoridades ambientais, estaduais ou federais. Os inspetores e a polícia que vieram visitaram apenas algumas áreas, mas não entraram na zona mais afetada.
Foi somente em 26 de outubro de 2018 – quando 5.000 árvores já haviam sido derrubadas, em uma área de 226 hectares – que autoridades federais e estaduais chegaram ao local, incluindo o governador do estado, Javier Corral. Eles prometeram uma estratégia para combater o corte ilegal de madeira na Tarahumara. Nem mesmo15 se passaram quando os madeireiros voltaram.
As mulheres de Bahuinocachi falam em surdina, como se estivessem escondendo um segredo:
—Eles voltaram para cortar, estão tirando tudo. Eles estão deixando tudo desmatado.
—E nós não podemos fazer nada, porque eles estão armados.
—Agora eles destruíram tudo. E agora, vai demorar em crescer!
—Vai levar 20 ou 30 anos para que os pequenos se tornem pinheiros grandes, com boas sementes. Já estamos plantando pinheiros, mas vamos ver se eles crescem, porque não há pinheiros grandes para protegê-los do frio. O gelo bate neles e assim eles secam mais facilmente.
As mulheres se lembram do que seus pais lhes diziam: as árvores próximas às nascentes não devem ser cortadas, porque “a água vai embora”.
De seus avós aprenderam um ritual “mais antigo”: alimentam as nascentes com pinole (farinha tradicional feita de milho) e tortilhas. E quando o fazem, falam com a água que brota ali.
—Dizemos-lhe para não ir embora. Nós a alimentamos para que tenha força e não vá. Para que nós, toda nossa família, e também os animais, continuemos a tendo vida. Tudo isso nós falamos para a nascente.
Quando se pergunta às mulheres se em rarámuri há uma palavra para nomear os morros ou montanhas que ficaram sem árvores, elas se olham, falam em sua língua, e depois de um tempo explicam que chamam esses lugares de “cerro careca”: um lugar onde não há mais nada.
Antes que as mulheres de Bahuinocachi denunciassem o que estava acontecendo em suas terras, outras áreas do município de Bocoyna já tinham sofrido o corte ilegal de madeira e incêndios provocados.
Em julho de 2017, comunidades indígenas e ejidos dos municípios de Bocoyna, Carichí e Guachochi, assim como organizações civis, solicitaram às autoridades federais e estaduais que repensassem a política florestal e “pusessem fim à devastação da floresta da Serra Tarahumara”.
Eles insistiram no que muitas comunidades têm denunciado: grupos ligados ao crime organizado cortam e depois ateiam fogo em grandes áreas.
O controle da madeira
Durante um tempo, cerca de 480 famílias rarámuri viviam em uma comunidade chamada El Manzano, no município de Urique. Hoje em dia, o número de habitantes é incerto.
El Manzano começou a mudar quando se tornou cada vez mais comum ver homens armados que não pertenciam à comunidade.
Antes, dizem aqueles que moravam lá, havia poucas famílias dedicadas ao cultivo de maconha e papoula; eles podiam vender sua colheita ao maior lance. Por um quilo de ópio em forma de chiclete, por exemplo, eles poderiam receber até 15.000 pesos (780 dólares). Os “forasteiros” vinham, compravam e iam embora.
Mas a partir de 2011, os “forasteiros” permaneceram e forçaram as pessoas a plantar, mas também a vender somente para eles. O pagamento por um quilo de goma de ópio caiu para 3.000 pesos (156 dólares).
Os mesmos homens que controlavam o cultivo da papoula “recrutavam” jovens da comunidade: colocaram-nos em seus caminhões, sequestraram-nos por alguns dias, ameaçaram-nos e forçaram-nos a “trabalhar” como jagunços. Se alguém recusava, eles o matavam. Foi o que fizeram com Benjamín Sánchez, que foi morto em 27 de fevereiro de 2015.
A família de Benjamín foi forçada a se mudar de El Manzano. Outras famílias seguiram. O mesmo aconteceu com os habitantes de pelo menos dez comunidades do Ejido Rocoroyvo, no município de Urique, segundo testemunhos de pessoas deslocadas que, por razões de segurança, pedem para não publicar seus nomes, e que agora até têm medidas cautelares concedidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
O deslocamento da população aumentou quando o grupo que controla a área decidiu impor suas próprias regras, incluindo o gerenciamento da floresta: os habitantes do ejido só podem vender suas toras para eles. Os Ejidos que se recusam, não podem vender sua madeira.
“a exploração florestal não trouxe nenhum benefício para as comunidades indígenas, que não têm voz ou voto nas assembleias de ejido, mesmo vivendo dentro dos ejidos e em propriedade privada”
Outros ejidos, como documentado por organizações como a Contec, exigem documentos oficiais e com eles “legalizam” o corte ilegal de madeira.
No relatório Diagnóstico e Propostas sobre Violência na Serra Tarahumara, observa-se que na área há “controle da atividade florestal pelo crime organizado, controle que vai desde o roubo de guias (documentos para certificar que uma árvore foi cortada legalmente), corte ilegal e legal, transporte e comercialização, ou mesmo uma proibição regional por se opor à venda a criminosos”.
O relatório da Contec também destaca que as autoridades ambientais federais concedem licenças de corte em áreas habitadas por comunidades indígenas, sem consulta prévia a esta população, conforme exigido pela legislação internacional e nacional.
Exemplos disso são os casos de Coloradas de la Virgen, Choréachi e Bosque de San Elías Repechique, que tiveram de exigir em tribunal o cancelamento dessas autorizações.
Conforme o relatório da Contec, “a exploração florestal não trouxe nenhum benefício para as comunidades indígenas, que não têm voz ou voto nas assembleias de ejido, mesmo vivendo dentro dos ejidos e em propriedade privada”.
O mesmo documento aponta que “o uso intensivo da floresta, através do corte legal e ilegal, tem afetado seriamente as condições de vida das comunidades indígenas, tanto no uso doméstico da floresta como nas condições ambientais que afetam as nascentes das quais tradicionalmente extraem seu suprimento de água”.
—As árvores significam muito para o território, porque é o que mantém a estabilidade das águas. A água que cai das nuvens é filtrada e é aí que a água dura. Caso contrário, quando a madeira é cortada sem responsabilidade, ocorre um desastre, a floresta é queimada. A água chega e leva tudo, não há nada que a pare nem que a filtre. A água se foi. -diz José Trinidad Baldenegro, cujo pai e irmão foram mortos por defenderem essa estabilidade ambiental.
Terra, água e indiferença
Mesa Blanca, El Cable e Mesa de las Espuelas, comunidades do município de Madera habitadas por indígenas o’oba (também conhecidos como pimas), foram das primeiras a experimentar o que mais tarde se espalhou por Tarahumara: a partir de 2008, essas comunidades começaram a ficar sem indígenas, depois que grupos ligados ao tráfico de drogas aumentaram a violência contra eles.
Algumas famílias optaram por emprestar suas terras para plantar papoula, mas paulatinamente foram sendo despojadas de suas terras quando não concordaram em trabalhar para esses grupos, diz um dos líderes que está deslocado e que solicitou o anonimato para proteger sua vida.
Os indígenas o’oba, explica o antropólogo Horacio Almanza, estão migrando de suas comunidades desde 2004, mas o fizeram devido à falta de água, como aconteceu no caso da comunidade Las Espuelas.
Outras comunidades o’oba nos municípios de Madera e Temósachic também denunciaram, com várias autoridades, a contaminação do rio Tutuaca e outras fontes de água pela atividade da Mina Dolores, que pertence à empresa canadense Pan American Silver Corp. que iniciou suas operações em 2009 para extrair ouro e prata.
Os warijíos, outro dos grupos indígenas que habitam Tarahumara, também sofreram despossessão. Em 29 de março de 2011, na comunidade de Jicamórachi, no município de Uruachi, chegaram homens usando uniformes de estilo militar, atirando em todos os lugares, queimando casas e veículos. As famílias fugiram para o mato. Só dez dias depois é que o exército foi para o local e se instalou na escola primária.
Das 122 famílias mestiças e warijío que viviam em Jicamórachi, restaram apenas cerca de 40.
Conhecida como Guasachoque, mas também como Correcoyote, é uma comunidade rarámuri no município de Guadalupe e Calvo; Irineo Meza era originário de lá. Ele foi morto em 4 de dezembro de 2014. Ele tinha 23 anos de idade. Ele denunciou a despossessão de terras em sua comunidade e se opôs às minas na região.
El Tule e Portugal, uma comunidade do município de Guadalupe e Calvo, também tem ficado sem gente. Em outubro de 2018, outro líder indígena foi assassinado ali: Joaquín Díaz Morales, 74 anos de idade e chefe dos bombeiros. Antes disso, eles já tinham matado o comissário egípcio Crescencio Díaz Vargas e ameaçado os moradores que decidiram processar uma família de caciques locais por desapropriação de terras.
—Eles enviam mensagens para você, que se você não quer problemas, você deve ir embora… Você não pode reclamar para a polícia, para o judiciário, para os guachos (militares), não há apoio. Não há confiança. Eles não acreditam em você, diz um dos deslocados de El Tule e Portugal.
Palavras semelhantes são ouvidas dos ódamis deslocados da comunidade de Cordón de la Cruz, em Coloradas de la Virgen. Eles apontam os irmãos Cornelio e Aurélio Alderete Arciniega como responsáveis pelas ameaças e pela desapropriação de suas terras.
—Querem se apropriar de 3.500 hectares de terra onde a comunidade costumava pastar seu gado, e agora não permitem a entrada nesse território. Estas são as terras que eles querem para a papoula. Há cerca de 20 reclamações, mas apenas uma foi processada— diz José Ángel, membro de uma das famílias ódami deslocadas.
NESTAS IMAGENS: A ESCOLA JICAMÓRACHI, ONDE O EXÉRCITO FOI INSTALADO; OS VESTÍGIOS DE VIOLÊNCIA QUE PODEM SER VISTOS AO LONGO DAS ESTRADAS DE TARAHUMARA; AS FAMÍLIAS DESLOCADAS QUE AGORA VIVEM EM LUGARES COMO BABORIGAME; UMA DAS ASSEMBLEIAS EM CHORÉACHI; E A FAMÍLIA DE JULIÁN CARRILLO QUE ESPERA VOLTAR À SUA TERRA.Puerto Gallego, no município de Urique, é uma das cidades que compõem o corredor turístico em Tarahumara. É também a rota do tráfico de drogas. Fabian Carrillo, um líder rarámuri , era dessa comunidade.
Ele tinha pouco mais de 40 anos quando deixou sua casa em Puerto Gallego; homens armados o ameaçaram. Eles queriam sua terra. Ele deixou sua comunidade, mas não abandonou a defesa do território.
—Os homens do governo não fazem nada. Desde setembro (2014) ficou mais difícil, porque eles vinham querendo tomar as terras. Ainda há invasões, e muitos são obrigados a plantar drogas, disse Fabián em 2016.
Fabián manteve um registro de todos os governadores indígenas rarámuri, bem como dos problemas que eles enfrentaram por causa das ameaças à floresta. Ele insistiu – mesmo no exílio – que suas denúncias fossem ouvidas nos tribunais e na Coordenação Estadual do Tarahumara.
Ele foi ameaçado várias vezes, mas ele entendeu a maneira como os criminosos agiam, sua forma de se organizar, e isso lhe permitiu viajar pela serra, evitando aqueles que não queriam que ele falasse. Ele morreu, como resultado da tuberculose, no final de setembro de 2017.
Em Guapalayna, uma região tropical do município de Urique, os povos indígenas foram forçados a se deslocar, já que naquela área eles não só são despojados de suas terras, como também estão privados do controle de suas fontes de água: se quiserem usar a água, é cobrada uma taxa.
se quiserem usar a água, é cobrada uma taxa.
Em quase toda a região de Tarahumara, as comunidades conhecem os nomes e histórias dos caciques ou líderes dos grupos de traficantes de drogas que os ameaçam e os tiram suas terras. Vários desses nomes têm sido denunciados às autoridades em todos os níveis. Nenhum deles foi levado à justiça.
Isela Gonzalez, diretora da Aliança Serra Mãe, assinala que o terror foi semeado para gradualmente desabitando o território dos homens e mulheres que lhe dão sentido, “porque são os corpos que dão força a esse território”. A intenção, insiste ela, é “deixar este território deserto daqueles corpos que ali nasceram, daqueles corpos que sempre ali viveram, que foram formados como rarámuri e que mantiveram, apesar de todas as adversidades, a cultura rarámuri”.
A resistência da serra
Os povos indígenas de Tarahumara forjam sua resistência física desde crianças: caminham horas e horas pela serra – entre ravinas e encostas – para chegar a uma comunidade, para visitar um membro da família, para rebanho de cabras, para ir à escola (quando há professores) ou para ter acesso a um médico. Eles também percorreram um longo caminho para denunciar a despossessão de suas árvores e território. Há vários anos, eles realizam caravanas em Chihuahua e fora do estado.
Uma dessas caravanas chegou à Cidade do México. Foi em julho de 2014, quando 35 governadores tradicionais de comunidades indígenas expuseram aos senadores da República os problemas de pilhagem que eles vivem na serra.
Naquela reunião, eles até apontaram Artemio Fontes Lugo como um dos responsáveis pelas ameaças e o mentor por trás dos assassinatos das autoridades tradicionais de Coloradas de la Virgen.
Esta acusação foi registrada no documento que, em 15 de março de 2016, um grupo de senadores fez para instar o Poder Executivo Federal a tomar medidas para enfrentar os problemas e a violência na Serra Tarahumara.
“Cirilo foi morto porque não queria trabalhar com Artemio Fontes na extração da madeira, então eles o mandaram matar”
ex-governador indígena de Coloradas de la Virgen
Este documento também menciona o caso de Cirilo Portillo Torres, ódami assassinado em 14 de março de 1992. Ele havia sido comissário da polícia tradicional e secretário da propriedade comunal em Coloradas de la Virgen.
—Cirilo foi morto porque não queria trabalhar com Artemio Fontes na extração da madeira, então eles o mandaram matar, diz um ex-governador indígena de Coloradas de la Virgen, que recebeu várias ameaças por defender o território e as árvores de sua comunidade, razão pela qual ele e sua família, assim como muitos de seus camaradas em luta, estão agora deslocados.
Aqueles que foram deslocados de Coloradas de la Virgen, assim como de outras comunidades Tarahumara, estão dispersos na cidade de Chihuahua, Baborigame, Guachochi, Parral e Cuauhtémoc. Eles trabalham nas hortas ou na colheita. Outros tentam encontrar trabalho no setor de construção ou sobreviver em meio ao asfalto que os sufoca.
—Na comunidade podíamos cultivar milho e feijão. Com apenas um pouquinho que você plantasse você podia comer. Não aqui. Nossos costumes e nossas festas não podemos fazê-las como antigamente. Gostaríamos de voltar, mas como se eles queimaram a casa, roubaram os animais e ainda continuam lá, diz uma das mulheres deslocadas em Baborigame. Suas duas filhas, de 23 e 26 anos, já conhecem a viuvez.
Para esta matéria, foram solicitadas entrevistas com o governador de Chihuahua, Javier Corral, e com o subsecretário dos direitos humanos do governo federal, Alejandro Encinas. As solicitações foram feitas em pelo menos duas ocasiões com os assessores de imprensa, que responderam que não havia ESPAÇO NA AGENDA DOS FUNCIONÁRIOS.
O acompanhamento da defesa
Entre janeiro de 2009 e dezembro de 2018, pelo menos 15 defensores de florestas e territórios foram mortos na Serra Tarahumara, de acordo com os casos compilados no banco de dados deste projeto. Estes casos foram conhecidos, muitas vezes, devido à denúncia de organizações civis. Há muitos outros nomes de defensores que foram assassinados, mas não estão incluídos nas estatísticas, “porque ocorrem em áreas onde não há trabalho das organizações, seja porque são lugares muito remotos, de difícil acesso, ou porque ocorrem em territórios tomados por traficantes de drogas”, diz uma defensora dos direitos humanos que pede anonimato, já que esta é a única forma de poder visitar algumas comunidades, mantendo a discrição.
Em Chihuahua, o maior estado do país, menos de dez organizações civis acompanham as comunidades em sua defesa do meio ambiente e do território. E estas organizações – cujos membros também receberam ameaças por seu trabalho – não têm pessoal e recursos suficientes para denunciar e tornar visível o que está acontecendo em grande parte de Tarahumara. Mesmo assim, nos últimos cinco anos, juntos, conseguiram vitórias legais em sua luta em defesa do meio ambiente e do território.
“São projetos de morte, não de vida, porque respondem a interesses particulares, não a interesses comunitários”
Javier Ávila Aguirre.
Em 2017, e após sete anos de um processo legal liderado pela Contec, a Suprema Corte de Justiça reconheceu o direito ao território ancestral da comunidade rarámuri de Huitosachi, no município de Urique.
As terras ancestrais da comunidade – 260 hectares – estão na área de Barrancas del Cobre, uma das áreas mais turísticas da Tarahumara. Sua defesa do território na justiça começou em 2015, quando uma empresa imobiliária – cujo proprietário é o empresário Federico Elías Madero – reivindicou estas terras como suas e tentou remover os rarámuri do território. Não teve sucesso.
Também no norte da Tarahumara, a comunidade de Bosques de San Elías Repechique, no município de Bocoyna, conseguiu impedir a passagem do gasoduto por seu território, de modo que a empresa responsável pela sua construção, TransCanada, teve que modificar a rota original para esta obra.
—Esses grandes projetos – mineração, turismo ou gasodutos – geraram uma grande deterioração do espaço, da ecologia e, principalmente, das comunidades. São projetos de morte, não de vida, porque respondem a interesses particulares, não a interesses comunitários— diz o padre jesuíta Javier Ávila Aguirre, diretor da Comissão de Solidariedade e Defesa dos Direitos Humanos (Cosyddhac).
Em outubro de 2018, o Tribunal Superior Agrário, com sede na Cidade do México, reconheceu o direito que a comunidade rarámuri de Choréachi, localizada no município de Guadalupe e Calvo, tem a seu território ancestral – 32.832 hectares – e bens naturais, e que, devido às ameaças recebidas, tem medidas provisórias da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
—As comunidades, com suas demandas, estão forçando a harmonização das leis nacionais com as normas internacionais sobre o reconhecimento dos povos indígenas. Tem custado muito, mas o reconhecimento dos direitos coletivos das comunidades já começou e temos que continuar— diz Ernesto Palencia, assessor jurídico da Aliança Serra Mãe.
A comunidade rarámuri de Baquiachi, no município de Carichí, também ganhou 32 processos contra pecuaristas que lhes tinham tirado mais de 7.500 hectares de seu território ancestral.
Durante este processo judicial, Estela Ángeles Mondragón, diretora e advogada da associação Bowerasa, recebeu várias ameaças, sua filha sofreu uma tentativa de assassinato e seu parceiro, Ernesto Rábago Martínez, foi assassinado em 1º de março de 2010.Isso não impediu que Estela Ángeles continuasse trabalhando pela comunidade Baquiachi. Deles ela aprendeu uma frase que ouviu muitas vezes em rarámuri e agora diz: “Sem território, você não tem nada. Nós não somos nada”.
Isela González, diretora da Aliança Serra Mãe, explica que ao acompanhar estas comunidades elas estão defendendo “um território que para eles é indivisível, bens naturais que são coletivos, que são o que lhes dá vida como comunidade, que reproduzem materialmente e simbolicamente sua cultura. Sem território, sua cultura não é possível”.
O antropólogo Horacio Almanza, que tem estudado estes processos de defesa, enfatiza que a luta ambiental é muitas vezes personificada em um líder, “mas atrás deles estão as comunidades, e são elas que dão força a estes defensores, que geralmente são autoridades tradicionais que fazem parte de um sistema normativo muito antigo e sólido na serra”. É por isso, diz ele, “as lutas pela defesa do meio ambiente em Tarahumara são coletivas”.
Primeiro as árvores, agora os minerais
A história da Chihuahua está ligada à mineração, explica o antropólogo Horacio Almanza, “ela teve momentos de crise e diminuiu muito durante alguns períodos, mas voltou fortemente com as empresas de mineração canadenses”.
Atualmente, Chihuahua ocupa a terceira posição no país na produção de ouro e a segunda na extração de prata. Zinco e chumbo também são extraídos.
Se um mapa da Serra Tarahumara fosse pintado de vermelho nas áreas onde há uma concessão mineira, uma boa parte do território seria escarlate.
Das 3.323 licenças de mineração concedidas no estado de Chihuahua, quase metade – 1.448 – estão na serra, de acordo com o banco de dados público sobre concessões de mineração da Direção Geral de Minas, que faz parte da Secretaria de Economia do governo mexicano.
Os municípios da serra que têm suas deslocaram suas comunidades indígenas, devido a ameaças ou assassinatos de seus líderes, estão entre aqueles com mais concessões. Por exemplo, em Guadalupe e Calvo, foram concedidas 142 concessões, de acordo com o banco de dados. No território de Coloradas de la Virgen e seus arredores, pelo menos quatro licenças de exploração e exploração foram emitidas.
Uma delas -de 3.104 hectares- está localizada em uma área que os habitantes de Coloradas de la Virgen reivindicam como parte de seu território. Os beneficiários desta concessão mineira são Arcadio e Artemio Fontes Martínez – filhos de Artemio Fontes Lugo – e Mario Humberto Ayub Touche, que pertence a uma família de empresários de Chihuahua.
Mario Humberto e seus irmãos, incluindo Sergio Ayub Touche, são sócios em empresas de mineração e imobiliárias e também são proprietários da Duraplay Comercial S.A. de C.V., uma empresa dedicada à fabricação de todos os tipos de produtos relacionados à indústria florestal, de acordo com documentos do Registro Público de Comércio de Chihuahua.
Eles também estão vinculados a empresas em paraísos fiscais. Sergio Ayub Touche é diretor da Indycom International Holdings Ltd, uma empresa criada em 17 de dezembro de 2012 nas Bahamas, de acordo com documentos obtidos pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung e compartilhados em 2016 com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), para conduzir a investigação conhecida como Bahamas Leaks, e à qual os Mexicanos contra a Corrupção e Impunidade (MCCI) tiveram acesso.
Além das 12 licenças de mineração que Mario Humberto Ayub tem em Chihuahua e Sonora, ele também tem duas concessões em seu nome – concedidas em 1994 e 1999 – que lhe permitem extrair água para uso agrícola.
Por sua vez, em 2016 Artemio Fontes Lugo obteve do governo mexicano a renovação de uma licença para operar, até 2031, um aeródromo no município de Cusihuiriachi.
A Secretaria de Economia do governo mexicano concedeu a concessão de mineração aos filhos de Fontes Lugo e Mario Humberto Ayub Touche em 24 de maio de 2010. A licença é válida por 50 anos.
Esta concessão foi concedida sem consulta prévia, conforme exigido pelas leis internacionais e nacionais, aos habitantes rarámuri e ódami de Coloradas de la Virgen. Nenhuma autoridade os informou sobre a existência dessas licenças de mineração. Os indígenas descobriram quando Julián Carrillo e seus camaradas em luta participaram de uma oficina sobre mineração.
A primeira decisão legal
No panteão de Baborigame está o túmulo de Isidro Baldenegro, o rarámuri que foi assassinado em 15 de janeiro de 2017, em Coloradas de la Virgen, o homem de pele de cobre que durante alguns anos fez parte do grupo de indígenas que caminharam em caravanas para denunciar o corte de árvores em sua comunidade e que em 2005 ganhou o Prêmio Goldman – considerado o Nobel verde – por sua defesa da floresta. Seu pai, Julio Baldenegro, foi morto pela mesma causa. Foi em outubro de 1986, quando ele era o governador tradicional de Coloradas.
—Nós aprendemos a defender a terra de observar e ouvir como os outros a defendiam, de observar nossos pais e anciãos— disse Julián Carrillo.
—Nós defendemos o que muitas pessoas antes de nós também defenderam, o que nos pertence, o território, a floresta. Defendê-lo agora, neste momento, é defender (para) aqueles que vêm depois dos filhos e netos—, disse José Baldenegro, filho de Julio e irmão de Isidro.
Isidro, além de receber ameaças de morte, também teve que lidar com uma acusação judicial e passar quinze meses na cadeia.
—Disseram que o encontraram com sementes de papoula e maconha; tudo foi mentira… Ele era um companheiro que lutava com a gente pela floresta—, lembra um dos Rarámuri que esteve com Isidro em uma das caravanas que ele liderou em 2003 para exigir que as autoridades parassem o corte de madeira em Coloradas de la Virgen. Após um desses protestos, ele foi acusado e preso.
Isidro foi absolvido e conseguiu sair da prisão após várias organizações – incluindo a Anistia Internacional, que o declarou “prisioneiro de consciência” – terem feito campanha pela sua libertação, o que aconteceu em 2004. Por um tempo ele voltou a viver em Coloradas, mas teve que deixar a comunidade porque as ameaças continuavam. Ele foi morto quando visitou parentes que estavam doentes em Coloradas. Na época, seus filhos tinham oito e sete anos de idade.
No relatório sobre a situação dos defensores dos direitos humanos ambientais, publicado em março de 2019 pelo Centro Mexicano de Direito Ambiental (Cemda), observa-se que, após o assassinato, a criminalização é uma das agressões mais frequentes contra esses defensores.
“Disseram que o encontraram com sementes de papoula e maconha; tudo foi mentira…”
O mesmo documento destaca que a falta de investigação dos crimes cometidos contra os defensores, a ineficiência das medidas de proteção quando essas pessoas são ameaçadas, bem como o uso impróprio do direito penal para criminalizar seu trabalho de defesa, são “estratégias que deixam as pessoas em um estado de maior vulnerabilidade e risco”.
Romero Rubio Martínez foi preso pelo assassinato de Isidro Baldenegro. Em 19 de fevereiro de 2019, ele foi condenado a 11 anos de prisão. Em sua decisão, o Juiz Javier Cornejo Paez não considerou os danos à comunidade como um fator agravante.
—Um desafio que enfrentamos é que nestes casos, a principal linha de investigação seja o trabalho de defesa realizado por pessoas como Isidro, e que não somente os perpetradores materiais sejam julgados, mas também os autores intelectuais— diz a advogada Alejandra Nuño, do Centro de Direitos Humanos da Mulher (Cedehm), uma organização que acompanha as denúncias que foram apresentadas pelos assassinatos de defensores ambientais e territoriais da Tarahumara.
Nuño enfatiza que nestes casos eles procuram tornar a sentença pública e que ela reconheça a vítima, assim como os danos causados à comunidade e à sociedade com o assassinato do defensor.
—É transcendental — salienta Nuño— que o Poder Judiciário valorize a relevância de sua decisão, de modo que a sociedade entenda que os homens e mulheres defensores desses direitos significam uma contribuição substancial não só para a democracia, mas também para enfrentar as desigualdades, a violência e as injustiças que o Estado não tem sido capaz de resolver.
A esposa de Isidro Baldenegro, Aurelia Churivista, e seus dois filhos vivem agora em uma cidade de Chihuahua. Eles ainda não conseguem se acostumar a estar longe de Coloradas de la Virgen. Para eles, a sentença contra o perpetrador do assassinato foi mínima:
—Ele vai sair em nove anos, porque já está na cadeia há dois anos. Meus filhos dizem: “Bem, ele vai voltar para casa, voltar para sua comunidade e voltar para sua família, e nós quando veremos meu pai de novo?”
Recuperar a Serra
As ameaças contra os indígenas de Coloradas de la Virgen se intensificaram à medida que suas denúncias contra as licenças de exploração madeireira avançavam nos tribunais.
Em 2014, estas ameaças levaram o governo mexicano a incluir quatro membros da comunidade, incluindo Julián Carrillo, no Mecanismo de Proteção para Defensores dos Direitos Humanos e Jornalistas. Estas medidas de proteção não protegeram a vida de Julián.
O relatório Entre Balas e Esquecimento, publicado pela Anistia Internacional em janeiro de 2019, afirma que o Estado mexicano “não conseguiu garantir um ambiente seguro e propício aos defensores, especialmente porque as medidas não são adequadas para o risco enfrentado pela comunidade (Coloradas de la Virgen), uma vez que tem uma baixa presença estatal e uma forte presença de grupos do crime organizado”.
Julian estava relutante em deixar sua comunidade. Ele não o fez depois que mataram seu filho Victor ou seus dois sobrinhos.
—Se eu ir embora, então quem vai lutar? — perguntava ele.
Foi em julho de 2018, depois que Francisco Chaparro, seu genro, foi assassinado , quando Julián deixou sua comunidade e se refugiou em Sinaloa com outro de seus camaradas em luta, que também foi ameaçado.
Julián voltou para Coloradas — diz seu companheiro — após a morte de sua filha Francisca, como resultado da falta de cuidados médicos durante uma gravidez que se complicou.
Francisca — como muitos dos indígenas que nasceram e foram criados em Coloradas — não sabia escrever nem ler. Há muito tempo, há pelo menos 18 anos, as escolas desta comunidade estão abandonadas, porque não há professores nesta área da serra. Também não há médicos.
— Coloradas de la Virgen é uma comunidade que não tem acesso aos direitos humanos mais básicos como saúde, educação, um ambiente saudável; não há nenhuma fonte de emprego. Só temos a agricultura de subsistência – explica Isela Gonzalez, da Aliança Serra Mãe.
Para recuperar a serra e fazer justiça às comunidades que defenderam seu território e seus recursos naturais, as organizações civis que trabalham na serra, acompanhadas pelo Cedehm, estão trabalhando com as autoridades federais e estaduais para promover um plano de ação para Guadalupe e Calvo, o município onde está localizado Coloradas de la Virgen. — Se este plano tem resultados, serviria como exemplo a ser replicado em outros municípios, mesmo em outras regiões do país onde políticas efetivas são urgentemente necessárias, porque já chega de documentar as agressões contra os defensores— diz a advogada Alejandra Nuño, do Cedehm.
“mesmo em outras regiões do país onde políticas efetivas são urgentemente necessárias, porque já chega de documentar as agressões contra os defensores”
Alejandra Nuño
Julián Carrillo voltou a Coloradas de la Virgen para despedir-se de sua filha, conforme as tradições rarámuri.
O telefone via satélite que as autoridades forneceram a Julián, como parte das medidas de proteção, foi usado por seu filho para informar que seu pai havia sido assassinado. Ele foi morto na frente de seu neto de oito anos.
Em janeiro de 2019, o governo estadual anunciou a prisão de duas pessoas acusadas do assassinato.
A esposa de Julián, María, seus quatro filhos, duas noras e quatro netos já querem voltar às Coloradas de la Virgen. Eles não se sentem bem na cidade onde estão deslocados. Eles querem se despedir de Julián de acordo com as tradições rarámuri.
Enquanto esse dia chega, os camaradas em luta de Julián, os dois homens que compareceram à oficina de mineração com ele, participam das nas caravanas e reivindicam nos tribunais o direito ao seu território ancestral, não esquece as palavras que ele costumava dizer-lhes:
—Vocês têm que insistir para que a floresta não seja mais derrubada. Isso é a primeira coisa.
Uma luta em que a vida de todo um povo está em jogo.