No departamento de Cesar, no nordeste da Colômbia, uma comunidade camponesa está esperando há quase uma década para ser reassentada por causa da contaminação das minas próximas. Nos últimos quatro anos, um líder foi morto e outros oito receberam ameaças.
Qualquer um que for a El Hatillo descobrirá que é uma comunidade deixada à sua própria sorte. A comunidade tem o mesmo nome de uma mina de carvão que o governo concessionou há 22 anos sem o conhecimento dos camponeses (veja a página 11 do documento).
Da era agrícola, resta apenas a memória. Eles não têm água potável, nem estradas pavimentadas e a maioria de suas casas é de pau a pique. A pouca infraestrutura e as poucas oportunidades de emprego na área dependem das três empresas de mineração com as quais eles tiveram que negociar seu reassentamento, que foi encomendado pelo Ministério do Meio Ambiente desde 2010, após concluir que a mineração de carvão afetou esta comunidade, bem como as comunidades vizinhas de Plan Bonito e Boquerón.
“O Estado nos deixou sozinhos”
“O Estado nos deixou sozinhos”, repetem os camponeses, descrevendo o reassentamento como um processo que lhes tirou a paz de espírito e os mantêm inquietos.
É por isso que nesta comunidade que fica a duas horas de Valledupar, a capital de Cesar, a comunidade é cuidadosa com suas palavras.
Poucas pessoas se atrevem a falar sobre o assassinato de Aldemar Parra García, ocorrido em 7 de janeiro de 2017, e sobre as ameaças que começaram em 2014 contra os líderes que participaram das conversações com as empresas de mineração. O risco se intensificou em 2016 quando apresentaram uma medida de proteção devido ao atraso no reassentamento, ao ponto de a Defensoria do Povo (Ouvidoria) – encarregada de zelar pelos direitos humanos dos colombianos – ter incluído seus nomes no relatório que alertava sobre a vulnerabilidade de 80 líderes sociais na região.
“O perigo é latente”
A situação não melhorou: “O perigo é latente”, diz um dos oito líderes que tem um esquema de proteção fornecido pelo Estado colombiano, que pede para não revelar seu nome por medo.
Nos cinco anos seguintes, a comunidade entrou em um novo processo: a execução do chamado Plano de Ação de Reassentamento (PAR), um documento que levou seis anos de negociação com as empresas mineradoras e que finalmente foi assinado em 29 de novembro de 2018. Para os líderes de Hatillo, o fundamental é que os compromissos acordados em suas 700 páginas não fiquem no papel e, sobretudo, que haja garantias de segurança para reconstruir suas vidas em outro lugar.
O campo que não foi
José del Carmen Correa fala com saudades enquanto caminha pelas ruas decrépitas e poeirentas de El Hatillo.
Ele é de Hatillo e lembra cenas de sua infância, correndo livremente por aquele campo verde que de um lado e uma cratera e do outro, uma montanha de sedimentos que cresce devido à exploração do carvão. Ele é descendente de colonos que vieram a esta área no século passado para cultivar milho, bananas e algodão, sem se preocupar se tinham ou não título de propriedade da terra. Como eram terras pertencentes ao Estado, eles tinham o direito de solicitar o título de propriedade após alguns anos de trabalho, mas os camponeses na época viviam em paz, cultivando seus alimentos, criando animais e pescando no Rio Calenturitas.
Essa paisagem agrícola mudou no final da década de 1980, quando o governo colombiano concessionou grande parte da terra para a mineração e começou o boom do óleo de palma (dendê).
Hoje El Hatillo está rodeado não apenas pela mina que leva esse nome, mas por outras quatro: Calenturitas, La Francia, El Descanso e Pribbenow-La Loma. Sua exploração tornou o centro de Cesar na primeira região com a maior produção de carvão na Colômbia, com exportações principalmente para Turquia, Coréia do Sul, Brasil, Israel, Chile, Estados Unidos, Espanha, Polônia, Porto Rico e Portugal, de acordo com dados do Ministério de Minas e Energia (veja resposta do Ministério de Minas).
Sua exploração tornou o centro de Cesar na primeira região com a maior produção de carvão na Colômbia
A Calenturitas é operada pela Prodeco, uma subsidiária da multinacional anglo-suíça Glencore Xstrata. A La Francia é de propriedade da Colombian Natural Resources (CNR), que pertenceu ao banco de investimentos Goldman Sachs e foi vendido ao Murray Energy Group em 2015. E as duas últimas, El descanso e Pribbenow-La Loma, pertencem à mineradora americana Drummond. A mina El Hatillo tem tido vários proprietários: a Empresa Promotora y Explotadora de Carbón del Cesar y La Guajira (Emcarbón), Carbones del Caribe (hoje Sator, do Grupo Argos), a brasileira Vale do Rio Doce e depois CNR. Assim como a mina La Francia, a mina El Hatillo foi comprada pelo Murray Energy Group em 2015, mas continuou a operar sob o nome de CNR (veja informações sobre minas, Agência Nacional de Mineração).
VIOLÊNCIA NO DESENVOLVIMENTO DA MINERAÇÃO.Sua única vizinha não mineira é a Palmagro S.A., antiga Palmeras de Alamosa Ltda., que desde 1991 opera uma planta de extração em uma propriedade próxima para processar a fruta da palmeira-de-dendê utilizada na indústria cosmética e alimentar.
Para os moradores, a mineração e o agronegócio foram responsáveis não só pelas mudanças no uso da terra, mas também pela poluição do ar e da água. Não há mais como se alimentar das colheitas porque, dizem eles, a terra se tornou infértil. Também não podem caçar javalis, leitões, veados, coelhos, tatus, capivaras, ou pescar bagres, bocachicos, comelones ou barbudos. Todos eles desapareceram. O córrego de Piedra e nascentes próximas secaram, e o rio Calenturitas foi desviado, com autorização do Ministério do Meio Ambiente, para favorecer a indústria do carvão (veja a ordem do Ministério do Meio Ambiente).
“Era uma comunidade cem por cento camponesa. Com a chegada da mineração, tudo mudou”
Deiby Rojas
“A vocação da aldeia era a pesca e a caça. Também, eles trabalhavam nas fazendas vizinhas que se dedicavam à pecuária. Era uma comunidade cem por cento camponesa. Com a chegada da mineração, tudo mudou”, diz Deiby Rojas, tesoureira do Conselho de Ação Comunitária local.
Com estas mudanças também surgiram problemas de saúde. Miriam Jaimes, conciliadora do conselho local, explica que as infecções respiratórias se tornaram constantes em crianças e idosos, e uma praga que ataca os poucos animais de fazenda que eles podem criar.
“Há muita contaminação e tem havido muitas doenças pulmonares. Os porcos apanham peste e morrem; as galinhas, a mesma coisa”, diz ela.
A longa espera
A contaminação de que os camponeses falam é a origem de suas lutas.
El Hatillo está a 10 minutos de motocarro de La Loma, o maior municipio de El Paso. Este município faz parte do Distrito Mineiro de La Jagua, que também inclui Becerril, Agustín Codazzi, Chimichagua, Chiriguaná, Curumaní e La Jagua de Ibirico, e que, segundo dados da Agência Nacional de Mineração, produziu 3.025.662 toneladas de carvão em 2018. Embora a mina El Hatillo tenha recebido uma concessão em 1997 e, como os residentes lembram, começou a operar em 2007, foi somente em 2010 que o governo reconheceu que sua exploração e a das minas vizinhas afetavam a população rural.
“Gerou sérios efeitos sobre a saúde e a qualidade de vida dos habitantes das cidades localizadas na área de influência dos projetos de mineração”.
Ex Ministério do Meio Ambiente
Assim, em maio de 2010, o Ministério do Meio Ambiente concluiu – no final do governo do Presidente Álvaro Uribe – que o aumento das emissões de material particulado resultante da mineração de carvão “gerou sérios efeitos sobre a saúde e a qualidade de vida dos habitantes das cidades localizadas na área de influência dos projetos de mineração”. Junto com este diagnóstico veio uma ordem para as empresas de mineração Prodeco, CNR, Drummond e Vale Coal para reassentar imediatamente as populações de Plan Bonito, Boquerón e El Hatillo (leia Resolução 0970 de 20 de maio de 2010).
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As empresas de mineração recorreram da decisão e, em uma nova resolução de 5 de agosto do mesmo ano, o Ministério reiterou sua ordem peremptória, atribuindo a cada empresa percentuais precisos de responsabilidade pelo reassentamento das três comunidades.
De acordo com a decisão do governo, as empresas deveriam financiar o processo e contratar um executor para formular e depois implementar um Plano de Ação de Reassentamento (PAR), que incluísse um diagnóstico da população, uma análise regional e propostas para o reassentamento, bem como um interveniente para monitorar o processo. O prazo para concluir o reassentamento foi de dois anos, que expirou em setembro de 2012 (leia a Resolução 1525 de 5 de agosto de 2010).
Porém, isto não aconteceu.
A Secretária de Saúde do Gabinete do Governador César advertiu sobre a água “imprópria para consumo humano” em El Hatillo
Em El Hatillo, os camponeses relatam que as empresas tardaram em cumprir as ordens do Ministério e em garantir a participação dos habitantes. A ONG Pensamento e Ação Social (PAS), que forneceu acompanhamento jurídico à comunidade, documentou que em março de 2011 o Ministério impôs uma medida preventiva de admoestação por escrito às empresas por não tivessem contratado o executor. Um mês depois, a Secretária de Saúde do Gabinete do Governador César advertiu sobre a água “imprópria para consumo humano” em El Hatillo e sobre a prevalência de doenças respiratórias, de pele e dos olhos em 51,48% da população local.
Após a admoestação, em meados de 2011 as empresas mineradoras contrataram o Fundo Nacional de Desenvolvimento do governo central (Fonade) como executor do plano e a Corporação de Estudos Interdisciplinares e Assessoria Técnica (Cetec), uma organização sem fins lucrativos de Cali, como interveniente. Em El Hatillo, a comunidade decidiu se organizar para começar a negociar o chamado Plano de Ação de Reassentamento (PAR), de modo que em abril de 2012 eles criaram um Comitê de Concertação.
Uma angústia permanente
Para o povo de El Hatillo, o anúncio das negociações do reassentamento coincidiu com o início da angústia.
Quando a notícia do acordo com as empresas de mineração se espalhou, dizem os moradores, pessoas de fora vieram a El Hatillo para comprar pequenos lotes de terra na cidade, que lhes permitiriam se beneficiar da compensação que as empresas de mineração teriam que pagar. “180 novas parcelas de terra apareceram”, concordam os camponeses.
Depois vieram as ameaças.
Em junho de 2014, o então gerente da Cooperativa de Trabalhadores Multiativos de El Hatillo recebeu vários telefonemas ameaçadores. Em setembro do mesmo ano, panfletos apareceram ameaçando os líderes comunitários pelo atraso no processo de reassentamento. Em dezembro, as ligações para o gerente da cooperativa foram retomadas, incitando-o a retirar- se da negociação.
Durante 2015, esses telefonemas foram feitos a outros membros do conselho de ação comunitária e do Comitê de Concertação, que participavam das reuniões do plano de reassentamento. Depois começaram as mensagens de texto e as perseguições de moto por parte de pessoas desconhecidas, situações que levaram a comunidade a instalar alarmes nas casas dos líderes.
“Havia muito medo por causa da pressão que estávamos sofrendo, era uma pressão constante”
“Este processo foi acompanhado de perto e as ameaças vieram em torno do fato de que somos dois grupos: residentes e não-residentes. Portanto, quando estávamos lutando pelo processo de residentes, não estávamos lutando pelo processo dos não-residentes. Havia muito medo por causa da pressão que estávamos sofrendo, era uma pressão constante”, lembra um dos membros do Comitê.
Aqueles que participaram das negociações dizem que os anos mais críticos foram os últimos três. Eles sentiam angústia cada vez que se sentavam à mesa, dizem vários membros do Comitê.
A demora na assinatura não foi um capricho pessoal, eles explicam, mas sim a importância de se chegar a acordos sobre questões fundamentais para a comunidade, tais como acesso à terra, moradia e projetos produtivos.
Da mesma forma, houve outros atrasos devido às empresas de mineração que mudaram várias vezes de parceiros locais. Em 2015, o contrato de implementação tinha passado de Fonade para rePlan e finalmente para Socya, uma instituição privada sem fins lucrativos. O contrato de auditoria passou da Cetec para a Environmental Resources Management (ERM), uma empresa de consultoria ambiental.
Os moradores exigiam o cumprimento de seus direitos à vida, moradia digna, saúde, território e alimentação camponesa, enfatizando o risco sofrido pelos líderes naquele momento.
Em julho de 2016, homens de motocicletas e com o rosto coberto continuaram a rondar as casas dos líderes, que continuaram recebendo mensagens de texto com ameaças de morte e acusações de que estavam atrasando o processo de reassentamento. As intimidações se intensificaram quando a comunidade de El Hatillo entrou com uma medida de proteção na justiça em novembro daquele ano contra a Drummond, a Prodeco e a CNR, as três empresas que ficaram responsáveis pelo reassentamento depois que a Vale Coal vendeu a mina El Hatillo para a CNR.
Em sua medida de proteção, os moradores exigiam o cumprimento de seus direitos à vida, moradia digna, saúde, território e alimentação camponesa, enfatizando o risco sofrido pelos líderes naquele momento. “No momento, 11 líderes do processo de reassentamento sofreram ameaças contra sua integridade e suas vidas e as de sua família. Tudo isso devido a seu trabalho como representantes dos Comitês de Concertação e Transição no processo de reassentamento de El Hatillo”, eles declararam em sua ação legal.
O final de 2016 foi um pesadelo para os líderes. Algumas noites, eles começaram a ver homens armados vestidos de preto, usando botas de borracha e balaclavas, rondando as ruas e perto de suas casas. Continuaram a ser feitas chamadas aos membros do Comitê, inclusive ao único membro que não tinha recebido ameaças.
O que exacerbou o medo da comunidade foi o assassinato de Aldemar Parra García, em 7 de janeiro de 2017, na estrada que leva para a comunidade La Loma. Um par de assassinos em uma motocicleta vermelha de marca Discover e sem placas atirou nele quatro vezes.
Aldemar, de 31 anos de idade, não tinha recebido ameaças, mas era um líder reconhecido pela comunidade
Amigos e familiares dizem que Aldemar, de 31 anos de idade, não tinha recebido ameaças, mas era um líder reconhecido pela comunidade. Embora ele não fizesse parte do Comitê de Concertação, como líder comunitário promoveu a mesa de emprego, exigindo que as empresas de mineração que operam no território oferecessem oportunidades de emprego para os moradores de El Hatillo.
A comunidade diz que Aldemar era sindicalista, tinha trabalhado como analista de carvão para a CNR e estava buscando um acordo econômico com aquela empresa. Como explicam, uma grande parte dos antigos trabalhadores da CNR foi demitida em 2015, quando a empresa foi comprada pela Murray Energy Corp. Mas Parra se recusou a assinar o acordo, argumentando que o trabalho tinha tido um custo para sua saúde, razão pela qual exigia uma compensação justa.
Parra insistiu na necessidade de gerar empregos para a comunidade.
Sua esposa Leanis Suárez explica que, enquanto ele chegava a um acordo econômico com a empresa, Aldemar tinha decidido fundar a Associação de Apicultura de Cesar (Asograve), uma iniciativa que foi concebida durante cursos sobre projetos produtivos oferecidos pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Parra insistiu na necessidade de gerar empregos para a comunidade. “Ele gostava muito de trabalhar neste projeto. Em dezembro produziram uma boa quantidade de mel, 17 galões de 20 litros, e ele disse que estavam indo bem, porque estavam recebendo quase um milhão de pesos por um galão”, diz Suárez.
Quando a CNR foi questionada sobre a situação de emprego de Parra, a empresa respondeu – através da Equipe Técnica de Reassentamento das empresas de mineração – que ele era funcionário da empresa e membro de um sindicato da indústria de mineração. “Na época de sua morte, ele não trabalhava na mina há vários anos devido a recomendação médica, embora seu contrato ainda estivesse em vigor. Não havia qualquer processo trabalhista contra a empresa”, diz ele.
As empresas consideram que a Aldemar não representou uma liderança no processo de reassentamento.
“A equipe técnica de reassentamento e as empresas de mineração não comprovaram a participação ativa do Sr. Aldemar García no processo de reassentamento, exceto por seu envolvimento no projeto de apicultura desenvolvido com o PNUD. Por esta razão, não se pode garantir que ele foi um líder no processo e não podemos assegurar que sua morte possa ser atribuída direta ou indiretamente ao processo de reassentamento, levando em conta que seu caso ainda está sob investigação”, disseram as empresas numa resposta conjunta em 22 de março, após consultá-las sobre a situação de trabalho de Aldemar e suas ações em relação à situação de risco dos líderes comunitários.
“Havia tanta pressão que alguns camaradas se retiraram”
Em El Hatillo só há perguntas sobre esse crime e sobre as ameaças que aumentaram durante 2017 e 2018, até novembro passado, quando conseguiram assinar o PAR.
“As pressões eram muitas, a gente chorava. Estávamos em uma reunião para nos prepararmos, antes de participar do diálogo, para nos defendermos diante das empresas, porque a negociação era entre a empresa e a comunidade, quando nos chamaram e nos disseram que iam picar nossos filhos, que sabiam onde estudavam. Havia tanta pressão que alguns camaradas se retiraram”, diz um líder.
“Eles não queriam mais receber nossas denúncias no Ministério Público em Chiriguaná ou Bosconia”
Os membros do Comitê de Concertação concordam que este período foi o mais tenso, já que foi quando foram tratados os aspectos mais estruturais do reassentamento, tais como acesso à terra, moradia e projetos produtivos. Vários reconhecem que as empresas providenciaram transporte e a presença do exército para garantir sua mobilidade segura até as mesas de reunião. Entretanto, as autoridades não investigaram quem foram os autores das ameaças e assédios e, segundo um dos líderes, “eles não queriam mais receber nossas denúncias no Ministério Público em Chiriguaná ou Bosconia”, dois municípios vizinhos em Cesar.
Após mais de 200 mesas de trabalho e uma negociação sobre 151 pontos, em 29 de novembro de 2018, a comunidade e as empresas de mineração assinaram o PAR. Após seis anos de negociações, oito dos onze líderes do Comitê de Concertação receberam medidas de proteção devido a ameaças. Vários acreditam que a angústia e a pressão durante tantos anos teve um efeito sobre a saúde dos líderes Alberto Mejía e Alfonso Martínez, que morreram de doença durante esse período. Outros decidiram mudar-se para outras cidades por medo, exaustão e incerteza sobre as garantias de segurança nos próximos anos.
Do plano no papel ao verdadeiro reassentamento
Para a população de El Hatillo, um novo processo começou em novembro passado que não está livre de novos riscos.
Das 191 famílias que originalmente formavam a comunidade, 111 já tinham expressado sua participação no reassentamento coletivo, o que significa que as empresas de mineração devem construir um novo centro populacional em outro lugar. A terra onde o reassentamento está planejado se chama Mata de Palma, será de 400 hectares, localizada na comunidade vizinha de Potrerillo e está atualmente em processo de aquisição. Além de moradia, infraestrutura viária e acesso aos serviços públicos, cada família deve receber um projeto produtivo.
“O risco continua porque agora temos que exigir que eles cumpram o acordo”
Para as outras 80 famílias que expressaram sua preferência pelo reassentamento individual, as empresas devem garantir a compra de uma casa no local onde querem reconstruir suas vidas e um projeto produtivo.
“O risco continua porque agora temos que exigir que eles cumpram o acordo”, repetem vários membros do Comitê.
De acordo com o PAR, as empresas terão um período de cinco anos no agora chamado Plano de Transição, de modo que a comunidade espera que desta vez tenham o acompanhamento do Estado.
“O Plano de Transição nos preocupa, porque a mudança significa que deve realmente melhorar a qualidade de vida da comunidade”, diz Jesualdo Vega, secretário do Conselho de Ação Comunitária.
Embora a negociação entre a comunidade e as empresas tenha começado em 2012, o Ministério de Minas e Energia reconhece que desde fevereiro de 2017 vem acompanhando as mesas de negociação do PAR e que “mantém seu compromisso de acompanhar o processo em sua fase de execução”. Entretanto, em resposta a uma solicitação de informações, o Ministério esclarece que, como o reassentamento é produto de resoluções do Ministério do Meio Ambiente, “cabe às autoridades ambientais exigir o cumprimento do que foi acordado no Plano de Reassentamento e derivados do processo de licenciamento”.
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Desde 4 de março solicitamos informações verbais e por escrito do Ministério do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável sobre seu compromisso de acompanhar a comunidade de El Hatillo na implementação do PAR e de exigir o cumprimento dos acordos das empresas de mineração. Entretanto, no momento em que escrevemos esta matéria não recebemos uma resposta da instituição (veja as perguntas enviadas ao Ministério do Meio Ambiente).
“O Plano de Transição nos preocupa, porque a mudança significa que deve realmente melhorar a qualidade de vida da comunidade”.
Jesualdo Vega
Com relação à situação de risco dos líderes sociais, o Ministério de Minas e Energia indica que formulou uma política de direitos humanos para o setor de mineração e energia, e está atualmente desenvolvendo planos de ação para sua execução. Também participa do Grupo de Trabalho de Direitos Humanos e Carvão, que assinou uma declaração conjunta rejeitando ameaças à vida e integridade das pessoas, com o apoio de organizações da sociedade civil como o Centro Regional de Empresas e Empreendedorismo Responsáveis (CREER-IHRB) e a Fundação Ideias para a Paz (leia a resposta do Ministério de Minas).
O grupo é formado pelo Conselho de Direitos Humanos, o Ministério de Minas, a Agência Nacional de Mineração e as empresas Cerrejón, Drummond, Prodeco e CNR, que estão trabalhando na formulação de um “procedimento para a ativação de uma rota para a proteção da vida e da integridade pessoal de grupos de interesse”.
Quando a Drummond, a Prodeco e a CNR foram questionadas sobre as ações que tomaram para responder a situações de ameaça ou risco para os líderes de El Hatillo, explicaram que sugeriram que os afetados fizessem as denúncias, em vários casos os acompanharam para apresentá-las, e desenvolveram oficinas sobre habilidades de segurança, destinadas a representantes da comunidade, com o Programa Cesar de Desenvolvimento e Paz.
“Entidades como o Exército Nacional, a Polícia Nacional e a Unidade Nacional de Proteção (UNP), que aumentaram suas unidades na área para proporcionar maior proteção à população de El Hatillo, também participaram. Da mesma forma, em cada uma das ocasiões em que a ameaça aos representantes ou membros do Conselho de Ação Comunitária foi demonstrável, as empresas de mineração enviaram comunicados à imprensa, rejeitando os fatos”, responderam as três empresas em um documento conjunto, que apresenta os três logotipos, em nome da Equipe Técnica de Reassentamento liderada por José Link.
Diante das garantias de segurança agora no processo de transição, as três empresas de mineração apontam que o ponto forte do processo acordado em 2018 é que ele envolve pelo menos dois Ministérios e três agências do governo central, além da Ouvidoria e dos governos regionais e locais. “Alguns desses atores continuarão presentes durante o processo de realocação e posterior acompanhamento da comunidade em seu local de reassentamento”, dizem eles.
No entanto, na opinião delas, o nível de risco nas comunidades não aumentou, mas diminuiu. “Deve-se notar que o risco que as famílias de El Hatillo podem experimentar no período de transição provavelmente não será maior do que o que experimentaram até agora, já que os riscos estão relacionados à situação de falta de segurança na região e no país, por múltiplas razões”, dizem, acrescentando que facilitaram reuniões da comunidade com o Conselho de Segurança do Presidente Iván Duque, a Unidade Nacional de Proteção (UNP) e a polícia local (leia as respostas completas das empresas).
“Os riscos estão relacionados à situação de falta de segurança na região e no país, por múltiplas razões”.
Equipo Técnico de Reasentamientos liderado por José Link
Em El Hatillo foram as empresas de mineração que atuaram como Estado. A incerteza se deve ao fato de que, uma vez assinado o PAR, por exemplo, o professor de educação física e a enfermeira não voltaram à comunidade. Ambos eram pagos pelas empresas.
Em março de 2019, três mesas de negociação já tinham sido realizadas para iniciar o processo de transição. Com incerteza, eles esperam que haja condições de segurança para o reassentamento, e que as bolsas universitárias, técnicas e tecnológicas acordadas com as empresas de mineração lhes permitam ter os primeiros profissionais nos próximos 11 anos e, acima de tudo, que sua luta para não respirar carvão tenha valido a pena.